Eudozia Diz, depois de capturada
Eudozia Lorenço Diz, era uma professora em San Ginés, no concelho de
Lobeira antes do golpe militar franquista em Espanha. Fugiu com os pais durante
a Guerra Civil Espanhola e veio refugiar-se em Castro Laboreiro. Aqui, a PVDE com a estreita colaboração da Guarda Fiscal
perseguiu sem tréguas as centenas de galegos que aqui se esconderam. As
autoridades portuguesas terão enfrentado grandes dificuldades para localizar os
refugiados galegos. Estes contaram com a hospitalidade e proteção dos
castrejos. No caso de Eudozia Diz, em terras de Crasto, para não levantar
suspeitas, passou a vestir o traje castrejo como a restante comunidade. Além
disso, circulava pelos caminhos com os seus pais: Agustin Lorenzo, de cinquenta
anos e Basilica Diz, cinco anos mais nova. Conta-se que enquanto esteve
escondida em Castro Laboreiro, entre 1936 e Maio de 1938, terá ensinado a ler e
escrever algumas crianças castrejas
Em 1937, a PVDE já sabia que Eudozia e seus pais estão algures em Castro
Laboreiro mas desconhecia o seu paradeiro. A Guarda Fiscal terá interrogado
pessoas de várias aldeias castrejas e as informações eram algo contraditórias.
Segundo alegadas testemunhas, uns situavam Eudozia na Entalada ou no Rodeiro;
outras dizem que se encontram nos Ribeiros, ou talvez na brandas dos Portos.
Num relatório de 12 de Maio de 1938, dirigido à diretoria da PVDE (Polícia
de Vigilância e Defesa do Estado, mais tarde PIDE), o Comandante do Posto da
Guarda Fiscal do Peso (Melgaço), refere-se à revista de casas em Castro
Laboreiro em busca de Eudozia e seus pais bem como das dificuldades em
localizá-los:
“Ao Exmo Sr. Secretário Geral da P.V.D.E. – Lisboa
Estava pois, dentro do refúgio dos epigrafados (Eudozia e seus pais), mas depois de
interrogada a vizinhança acerca do seu paradeiro ou da localização, não me foi
possivel obter quaisquer informações concretas, que me facilitasse uma
pista para a sua captura. Acresce ainda, que a Eudozia traja agora de castreja,
para mais facilmente poder andar entre estas e não ser reconhecida. Como já é
do conhecimento de V. Exa., este povo da Serra, embora com costumes bastante
selvagens, são dotados de uma invulgar astúcia, preferindo a prisão e as
maiores torturas a denunciarem o paradeiro dos espanhóis refugiados, que para
eles, representa um governo de vida, pelas pesetas que recebem da comida,
albergue e outras incumbências, que sem escrúpulos executam.
Assim, torna-se difícil a captura de grande numero de REFUGIADOS espanhóis que ainda hoje se encontram pela Serra, que ao mais leve aviso de aproximação da Policia ou da Guarda Fiscal, desertam dos lugarejos onde se encontram, para se esconderem entre os rochedos, alguns já com furnas por e estes preparadas, onde dificilmente poderão ser encontrados.
Assim, torna-se difícil a captura de grande numero de REFUGIADOS espanhóis que ainda hoje se encontram pela Serra, que ao mais leve aviso de aproximação da Policia ou da Guarda Fiscal, desertam dos lugarejos onde se encontram, para se esconderem entre os rochedos, alguns já com furnas por e estes preparadas, onde dificilmente poderão ser encontrados.
Junto envio a V.Exa. as fotografias da Eudozia Diz e
de seu pai Agustin Lorenzo " El Masidao", para que V. Exa. se digne
ordenar que sejam tiradas umas reproduções e enviadas, com a possível
brevidade a este posto, para distribuir pelos postos da Guarda Fiscal, desta área.
Com novos elementos sobre o paradeiro de outros
refugiados, que consegui obter do espanhol Camilo ALONSO, que detive em
Estivadas, e salvo ordens de V. Exa., em contrário, espero levar a cabo novas
diligências, das quais oportunamente darei conhecimento a V. Exa., do seu
resultado. (...)
(...) Também fui informado que tanto o Regedor como o
Padre desta Vila de Castro Laboreiro tinham conhecimento da existência
ali dos referidos espanhóis, SENDO POR ESTES ENCOBERTOS E PROTEGIDOS.”
Contudo, as autoridades manteriam a pressão e conseguiriam dias depois
obter informações do paradeiro de Eudozia que conduziriam à sua prisão no dia
17 de Maio de 1938. O capitão J. G. Da Cunha do Quartel da Guarda Fiscal do
Peso (Melgaço), no relatório da prisão de Eudózia e suas pais, descreve as
intensas buscas e captura:
“No Rodeiro (Castro
Laboreiro), lugar que me foi indicado, como certo, o paradeiro da Eudozia
Lourenço Diz e de seus pais, foi-me bem difícil e só depois de muita persistência, chegar ao resultado obtido.
Tinha a informação de que estariam refugiados numa
mina, no rio que margina este lugar ou na casa de António Domingos Rendeiro, num
esconderijo perto de uma lareira.
Tendo comecado pela busca à casa, ou seja, uma
daquelas que continham camas em numero muito superior às pessoas ali residentes,conforme
informei V. Exa, no meu relatório de 12 do corrente, nada encontrei de suspeito
a não ser um pequeno bilhete, com talho de letra de senhora que o Rendeiro me
dizia ter sido escrito por um seu amigo. Estes foram acareados e verifiquei ser
falsa a sua declaração e como se mantinha na sua forma negativa, de não
conhecer ou possuir na sua casa espanhóis refugiados, ficou este detido, bem
como sua irmã ali residente que se mantinha na mesma atitude.
Dirigi-me então com estes para o rio, batendo todos os
pontos onde se supunha estar a mina, mas foi um exausto trabalho que não surtiu
resultado.
Foi feita nova tentativa à casa do Rendeiro e baseando-me
numa informação, fiz retirar de um canto da lareira enormes atados de urzes e
um pesadíssimo banco, tudo isto assente sobre um chão de lages.
Ao pedir um ferro ou martelo, para ver se, em algumas
destas obtia um som oco, fui surpreendido com o levantamento muito lento de uma
destas, e de vozes que imploravam clemência. Ali estavam como supultados num túmulo,
cobertos de palha, Agustin Lorenço Puga, Basilica Diz e Eudozia Lourenço Diz
que a muito custo, foram saindo por um orifício relativamente pequeno, deixando
ver nos seus rostos traços de grande sofrimento.
(...) Devo pois informar V. Exa, que ainda há, na
Serra de Castro Laboreiro e na Peneda, grande número de refugiados espanhois, sobre
os quais aguardo a informacão do seu paradeiro certo, para proceder às respectivas
capturas, salvo ordens de V. Exa, em contrário.
A Bem da Nacão.”
Ficha Biográfica prisional de Eudozia
Depois de capturados a 17 de Maio de 1938 por elementos da Guarda Fiscal do
Peso, Eudozia e suas pais são conduzidos à Cadeia de Melgaço e lá ficarão
detidos durante mais de dois meses até ao dia 27 de Julho, altura em que seriam
transferidos para Lisboa.
Documento de entrada na PVDE de Lisboa de Eudozia e seus pais transferidos de Melgaço
Enquanto permaneceram detidos em Melgaço, recebem uma carta de uma pessoa
chamada Manuel Vidal, escrita em Lisboa, dizendo a Eudozia que o Consul de França
estaria na disponibilidade de lhe fornecer documentos a ela e a seus pais.
Depois de pedirem transferência para Lisboa e esta ter sido aceite,
temporariamente terão ficado detidos no Quartel do Carmo. Depois de lhes serem
fornecidos documentos pelo Cônsul francês, foram libertados e expulsos do país.
Embarcaram no paquete “Jamaique” em direção a Casablanca (Marrocos, à época
território francês). Partiu de Lisboa a 10 de Agosto e terá chegado a Marrocos
no dia 11 de Agosto de 1938.
Informações extraídas de:
- A represion franquista en Galicia. Actas dos traballos presentados ao Congreso da Memoria; Narón, 4 a 7 de decembro de 2003; Asociación Cultural Memoria Histórica Democrática.
- Arquivo familiar de Paul Feron Lorenzo.
NOTA: Um grande obrigado a Paul Feron Lorenzo, filho de Eudozia Diz, pela partilha de informações e documentação que possibilitou a publicação deste texto. MERCI, PAUL!