sábado, 25 de julho de 2015

Melgaço e a fuga à guerra civil espanhola: as ligações com as redes de apoio aos refugiados



A Galiza foi a primeira região com fronteira com Portugal que ficou debaixo do controlo das forças franquistas. Esta circunstância provocou una avalanche de refugiados. Os galegos que conseguiram cruzar a fronteira atravessando o Minho ou a serra de Castro Laboreiro encontraram no lado português um ambiente solidário nas aldeias portuguesas, mas as autoridades locais eram totalmente hostis. Os refugiados, quando descobertos, eram frequentemente perseguidos a tiro pelos montes e os capturados, eram entregues às forças franquistas, e inclusivamente a grupos de falangistas. Bastantes, acabariam fuzilados.
De toda a linha de fronteira, a raia melgacense era das mais patrulhadas pelas autoridades portuguesas e espanholas por ser bastante permeável e nalguns locais ser de muito difícil acesso. Nas aldeias de Castro Laboreiro, os exilados galegos tinham que iludir a forte vigilância, tanto da polícia política (PVDE) como da Guarda Fiscal. A Guarda Fiscal tinha ordens claras de deter todos os espanhóis indocumentados conotados com a esquerda revolucionária. Posteriormente, seriam entregues à polícia política para posterior expulsão do território português. Em contrapartida, os carabineros e a Guarda Civil espanhola tinham instruções para entregar às autoridades portuguesas os esquerdistas portugueses radicados na Galiza.
A fuga de galegos para as aldeias da raia era uma opção mais favorável pelo facto de existirem contactos e ligações de parentesco, de amizade ou da atividade do contrabando entre as populações dos dois lados da fronteira. Contudo, também houve vários casos em que lavadores do concelho de Melgaço acolhiam em sua casa galegos exilados a troco de trabalho agrícola nas suas terras. Foi o caso de Jose Juan Dominguez Rodriguez. Perseguido, fugiu para Melgaço onde esteve refugiado em csas de um tal Manuel Lopes, morador em Sainde (Paderne, Melgaço), pelo menos durante seis meses. Depois, viveu  um relacionamento com uma senhora chamada Benesinda Duque, também de Sainde, durante cerca de oito meses e mais tarde foi servente numa casa de S. Martinho de Alvaredo, propriedade de um tal Delfim Alves. Posteriormente, esteve em casa de um tal Eduardo conhecido como  o “Resineiro”, altura em que ambos foram presos pelas autoridades portuguesas. Após a sua prisão, foi expulso de território português pela fronteira de S. Gregório/Ponte Barxas.
Uma outra importante base de apoio para os galegos exilados era a existência de redes de militantes do Partido Comunista e outros grupos organizados de esquerda do lado português. Nestes grupos, encontrávamos, por vezes, contrabandistas ou “passadores” que operavam ilegalmente dos dois lados da fronteira.
Estes grupos funcionavam verdadeiramente em rede. Um caso particular que prova esse modo de funcionamento é o do senhor Antón Alonso Rios. Este exilado entrou em território português pela zona da Serra da Peneda em Julho de 1938. Foi sendo acolhido por pastores que tinham contactos com comerciantes de Melgaço e que conheciam outros negociantes em Arcos de Valdevez, com ligações a um comerciante de café galego republicano e radicado no Porto e a um velho amigo seu de Tomiño emigrado em Lisboa. Como se vê, tratam-se de redes bastante complexas com muitas ramificações.
Havia um plano para conseguir documentos e fazer embarcar Anton Rios num navio mercante rumo a França. Falhado o plano, conseguiu finalmente documentos nos consulados argentinos e francês e embarcou rumo a Casablanca (Marrocos, à data, território francês), e dali viajou para Buenos Aires (Argentina). A obtenção da documentação argentina foi obtida através de uma pessoa que forjou documentos de um cidadão argentino que já tinha falecido. Assim, Alonso Rios assumiu essa identidade e foi isso que lhe permitiu abandonar Portugal.
Alonso Rios não deve ter sido o único que recorreu a esta estratagema. O diretor da PVDE informava em Outubro de 1937 o Chefe do Gabinete do Ministro português do Interior que “bastantes foragidos espanhóis que se encontram clandestinamente em Portugal, principalmente nas montanhas de Castro Laboreiro, tem obtido da Argentina certidões de nascimento de outros indivíduos, com que, possivelmente, procurarão documentar-se em Portugal".
Muitos outros fugidos galegos sobreviveram clandestinamente praticando o contrabando durante a Guerra Civil, enquanto esperavam uma oportunidade de chegar até algum porto e embarcar rumo a algum país, sobretudo da América do Sul.


Informações extraídas de:
- GALLARDO, Ángel Rodriguez (2011) - La condición de refugiados: Gallegos em Portugal durante la guerra civil y la posguerra. Universidad de Vigo;
- OLIVEIRA, César (1987) - Salazar e a Guerra Civil de Espanha, Lisboa, O Jornal, 2ª edição;
- A represion franquista en Galicia. Actas dos traballos presentados ao Congreso da Memoria; Narón, 4 a 7 de decembro de 2003; Asociación Cultural Memoria Histórica Democrática. 

- Comunicação Interna/Documento confidencial nº 31/938 ao Secretário Geral da PVDE, endereçado pelo Posto da Guarda Fiscal de Valença.

1 comentário:

  1. Très intéressant et rare blog sur cette histoire méconnue et peut être volontairement peu débattue dans un contexte de guerre civile que l'on cherche à oublier.

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