sexta-feira, 29 de maio de 2015

A Hospedaria Melgacense e os seus bifes de Presunto de Melgaço (finais do século XIX)



Em 1886, José Augusto Vieira via publicada a sua obra prima, "O Minho Pittoresco" que nos faz um retrato sobre esta região de Portugal nesta época de finais do século XIX. 
Num tempo em que Melgaço não era conhecido nem pelo seu vinho nem pelas suas águas termais, outra iguaria é destacada nesta época e que dava nome à nossa terra. Era o caso dos bifes de presunto de Melgaço. 
O autor do "Minho Pittoresco" parece ter provado esta iguaria numa hospedaria na vila de Melgaço chamada Hospedaria Melgacense e que nos conta essa experiência no livro: 
"Hotel, em Melgaço, escusas de o procurar, meu amigo. O proprietário da Hospedaria Melgacense, entendeu e entendeu bem, que não precisava abastardar a língua pátria com mais um galicismo inútil para baptizar a sua casa de hóspedes. Podes todavia entrar sem receio n'essa hospedaria honesta e limpa, porque, se te falta na tabuleta o sabor francês da palavra Hotel, não te faltará em compensação à mesa o sabor dos apetitosos bifes de presunto que ali te servem, como um prato especial da terra!
O presunto de Melgaço!
Que epopeia seria necessária para descrever-lhe o paladar fino e delicado, o aroma gratíssimo, a cor de rosa escarlate, a frescura viçosa da fibra!
Houvera-o provado Brillat-Savarin com aquela boa vontade de almoçar que eu e os meus companheiros de viagem levávamos depois d'uma alta madrugada com boas oito horas de trabalho e marcha, e a sua Physiologia do gosto teria hoje de certo o mais suculento e o mais brilhante de todos os seus capítulos!
Alimento sólido e forte, puxavante do verde, que na localidade não tem já o aveludado de Monção, o presunto de Melgaço, conhecido em todo o país, é por assim dizer a síntese da physiologia local. Válido, robusto, ágil, com o sangue puro bem oxigenado a estalar-lhe nas bochechas rosadas, o melgacense genuíno destaca-se dos habitantes dos outros concelhos próximos, a ponto de ser entre estes vulgar a frase de: — Ter cara de presunto de Melgaço — quando se fala de alguém com as boas cores da saúde.
Apesar, porém, de todas as tuas deliciosas qualidades, ó apetitoso quadril suíno, força é esquecer-te, como a todas as coisas boas ou más d'este mundo, a fim de nos bifurcarmos no selim duro dos magros rocinantes, que à porta da hospedaria nos esperam para nos conduzir a Castro Laboreiro."


Vila de Melgaço no livro "Minho Pittoresco" (1886)



Extrato de texto extraído de:
Extraído de: VIEIRA, José Augusto (1886) - O Minho Pittoresco, tomo I, edição da livraria de António Maria Pereira- Editor, Lisboa.

sexta-feira, 22 de maio de 2015

O esconderijo secreto dos galegos na Ameixoeira (Castro Laboreiro)

A Ameixoeira, freguesia de Castro Laboreiro
(Foto de Ramon Dominguez Blanco)

Já aqui fiz referência a várias estórias ligadas a galegos opositores a Franco que, durante a Guerra Civil Espanhola, cruzaram a fronteira e se esconderam em terras de Melgaço. A maior parte deles estiveram refugiados durante meses em Castro Laboreiro. Ainda há muitas estórias por contar que vamos encontrando enquanto vamos remexendo em documentação da polícia política, a PVDE.
Hoje vou fazer referência a um documento datada de 4 de Junho de 1938. É uma comunicação do Chefe do Posto da Guarda Fiscal de Valença ao Diretor Geral da PVDE onde alude a informações transmitidas pela Guadia Civil de Tui.
O teor da comunicação refere-se a um galego de nome José, morador em Salvaterra de Minho. Este galego tinha-se manifestado contra o movimento do General Franco desde finais de Julho de 1936. Perseguido, fugiu para Melgaço onde esteve refugiado em csas de um tal Manuel Lopes, morador em Sainde (Paderne, Melgaço), pelo menos durante seis meses. Depois, viveu  um relacionamento com uma senhora chamada Benesinda Duque, também de Sainde, durante cerca de oito meses e mais tarde foi servente numa casa de S. Martinho de Alvaredo, propriedade de um tal Delfim Alves. Posteriormente, esteve em casa de um tal Eduardo conhecido como  o “Resineiro”, altura em que ambos foram presos pelas autoridades portuguesas.
Após a sua prisão, foi expulso de território português pela fronteira de S. Gregório/Ponte Barxas e as autoridades espanholas permitiram que ele fosse até sua casa em Salvaterra de Minho para aí ser detido pela polícia espanhola. Interrogado pelas autoridades espanholas, acaba por confessar que quando esteve escondido em Melgaço, ajudou a Guarda Fiscal a capturar oito comunistas espanhóis, entre eles uma professora chamada Eudosia e os seus pais que ainda à data se encontravam presos em território nacional.
Confessa também às autoridades espanholas que existem centenas de comunistas galegos escondidos na serra da Peneda e em Castro Laboreiro. Contou também que em terras castrejas, perto do lugar da Ameixoeira, existem um conjunto de túneis escavadas pelos próprios galegos com várias ramificações em forma de cruz. Ali têm inclusivamente camas que lhes foram dadas pelas suas famílias ou outras pessoas de lugares próximos.
José confessou também às autoridades espanholas que ali já chegaram a estar escondidos cerca de trezentos foragidos galegos mas que naquela altura já só estavam cerca de vinte e oito. Estes galegos encontravam-se armados com Mauser e pistolas metralhadoras.
Confessou também que viu entre os foragidos galegos um médico da Corunha, alto de uns trinta e cinco anos e dois marinheiros da Esquadra, um moreno, baixo e entroncado e um outro alto, forte, que tem uma divisa de cabo, mas que desconhecia os nomes deles.
Por estas bandas, os melhores aliados dos refugiados galegos foram os próprios castrejos que sofreram muitas vezes as represálias da Guarda Fiscal e da PVDE por darem guarida aos seus vizinhos do outro lado da fronteira que se opunham ao General Franco.


Informações extraídas de:
Comunicação Interna/Documento confidencial nº 31/938 ao Secretário Geral da PVDE, endereçado pelo Posto da Guarda Fiscal de Valença.

NOTA: Um obrigado especial a Paul Feron Lorenzo pela partilha de documentação. MERCI, PAUL!

sábado, 16 de maio de 2015

O Concurso Tradicional do Cão de Castro Laboreiro de 1971 (Parte II)

A proprietária do "Paris" recebe o prémio correspondente ao melhor exemplar do concurso

"Os cães, em número de 25, a ser presentes aos juízes, Drs. António Cabral presidente do Clube Português de Canicultura, e Teodósio Antunes, foram dispostos por classes: de cachorros, destinada aos exemplares que, à data do concurso, tenham mais de seis e menos de 12 meses de idade; e aberta, destinada a todos aqueles com mais de um ano.
Enquanto os bichos eram minuciosamente observados, com muito mais minúcia do que as «misses» num concurso de beleza, pois eram apalpados de todas as formas e feitios, incluindo grãos e dentes, os mirones da cidade (Lisboa, Porto, Évora, Faro), que ali se haviam deslocado propositadamente, procuravam estabelecer contactos com toda aquela gente, que nos pareceu, contudo, pouco receptiva a satisfazer a curiosidade geral.
O repórter afadigou-se em formular perguntas, mas, quase sempre, esbarrou com muralhas de mutismo. Então quando lobrigava obter resposta, era do género. «Não sei». «Para que quer saber?», «Vá perguntar ao Inferno». Não saiam disto.
Deixarem-se fotografar foi problema ainda mais difícil. Sempre que o camarada fotógrafo apontava a máquina e elas davam conta disso, era certo e sabido virarem, ostensivamente, as costas. Indignavam-se mesmo. «Tire o retrato ao cão e deixe-nos a nós. Já toda a gente sabe que «semos» bonitas. A gente não precisa disso». Não fora a perícia do Orlando e a reportagem não conseguiria fixar as suas expressões.
As casas circulares cobertas do colmo, durante séculos características da região, foram substituídas pelas casas de telha
«francesa». Com o dinheiro que amealha na estranja, o natural de Castro Laboreiro começa por mandar construir a sua própria casa. Depois, investe na cidade, comprando andares em regime de propriedade horizontal.
Apesar disso, naquela aldeia serrana, o forasteiro, nas primeiras impressões, fica com a ideia de que os naturais vivem com extrema dificuldade. O aspecto humilde das pessoas, de cara queimada e enrugada, precocemente envelhecidas, leva exactamente a supor de que subsistem em função do que ganham com a enxada na mão. De parcos recursos, portanto. Pois ali, mais do que em qualquer outro lado, pode dizer-se que assentou arraiais a decantada sociedade de consumo.
Dizia-nos quem mais e melhor está informando acerca de Castro Laboreiro, que é precisamente o Padre Aníbal que lá nada falta. «Televisores, torradeiras, máquinas de lavar e de barbear, gravadores, aspiradores, aquecedores. Tudo aquilo que a técnica
criou para facilitar a vida de cada um, há cá na terra.»
Alguém de fora, mas que por funções profissionais vai muitas vezes a Castro Laboreiro, dizia-nos depois: «É formidável, de facto, como esta gente tem tudo». Um sorriso. Uma dúvida, como que se interrogando a si próprio se havia ou não, de dizer-nos o resto.
Tal estado de coisas tende, contudo, a acabar, dado que os filhos dos emigrantes (e eles próprios quando estão de «vacanças») frequentam as Universidades do Porto, Coimbra e Lisboa e o Seminário, tendo a terra já os «seus» doutores.
A proprietária do "Paris" recebe o prémio correspondente ao melhor exemplar do concurso. As pessoas que ali se haviam deslocado propositadamente para adquirir um cão de «Castro Laboreiro», e para isso atravessaram o país de lés-a-Iés, percorrendo mais de mil quilómetros (!!!) procuravam ouvir aquilo que os juizes cochichavam acerca do interesse de cada cão julgado, para depois abordarem o respectivo proprietário antes de serem conhecidas as classificações. E é fácil saber porquê. Evidentemente que desde a altura em que o proprietário soubesse que o seu animal havia sido premiado, acto-contínuo faria «render o peixe», que no caso era pedir mais dinheiro pelo animal, elevado à categoria de vedeta. Cão com diploma e medalha é mais caro. A propósito julgámos que a melhor altura para o negócio não seria aquela. Talvez por isso, há «peregrinações» a Castro Laboreiro, «santuário» da raça do mesmo nome, durante todo o ano, ainda que os meses de Março e Abril sejam aqueles que mais gente atraem.
Pois por cachorros de um mês, portanto ainda «imberbes» para participarem no concurso, os donos pediam entre os 200 e os 250$00. Mas já o bicho considerado o melhor do certame, de seu nome «PARIS», propriedade de Manuel Gonçalves Loureiro, ausente no Canadá e apresentado por sua mulher Benezinda Gonçalves, teve cotação de seis mil escudos. Muito dinheiro, convenhamos, segundo o nosso ponto de vista pessoal, naturalmente.
Observámos à «ti» Benezinda: «Não tem vergonha de pedir seis contos pelo cão ?»
-Oh home, deixe-me ficar o bicho em paz. Não o quero vender. Vocês é que mo querem comprar.
A despachar-nos: «Daqui a algum tempo isto (e apontou para o cachorro) não é um cão. É um elefante. E foi-se.
«TI» Benezinda, acompanhada do seu "PARIS" considerado o melhor cão do concurso, diz-nos «Tire o retrato ao cão e deixe-nos a nós», E virou-nos as costas.

«TI» Benezinda, acompanhada do seu "PARIS" considerado o melhor cão do concurso.

Facto curioso é que os possíveis compradores antes de entrarem em negociações procuravam catequizar o Padre Aníbal a fim dele dar a sua opinião sobre o cão em causa, pois, como já referimos, é um estudioso profundo das raças nacionais, e ao mesmo tempo servir de medianeiro para que o preço não ferrasse demasiadamente. Já se vê a sua dificuldade em aguentar-se entre os dois fogos de interesses díspares. Defesa do paroquiano e amabilidade para com o forasteiro.
Após os julgamentos, ouvimos o Dr. António Cabral:
-A impressão geral é bastante boa. A fixação das características étnicas está garantida. O lote de cães este ano foi muito bom! Muito bom!
Antes da distribuição de prémios, o Dr. Teodósio Antunes «falou às massas». Depois de ter historiado a razão do concurso, disse: «Cada vez temos de ser mais exigentes. Temos de combater as malhas brancas. Não devem existir mais cães de «Castro Laboreiro» com malhas brancas. Há que evitar o cruzamento com outras raças. Prendam as vossas cadelas na altura do cio..."

Texto extraído de:
- Jornal “O Mundo Canino” – Novembro de 1971, por Aurélio Cunha (textos) e Orlando Soares (fotos)

Para ler a PARTE I deste texto clique A Q U I

sábado, 9 de maio de 2015

O Concurso Tradicional do Cão de Castro Laboreiro de 1971 (Parte I)

(PARTE I)

Concurso Tradicional do Cão de Castro Laboreiro de 1971

O Concurso Tradicional do Cão de Castro Laboreiro é realizado desde 1914, sendo dos mais antigos realizados em Portugal.
O concurso de 1971 foi alvo de uma reportagem na publicação “O Mundo Canino”, na sua edição de Novembro desse mesmo ano. Nesse número podemos ler:

“EM CASTRO LABOREIRO – TERRA DE EMIGRANTES E DE CÃES FAMOSOS
Aldeia serrana donde os homens abalaram e as mulheres, «viúvas de vivos» (como Ihes chamam) deles recebem anualmente cerca de 36 mil contos (!!!) vive como nenhuma outra terra portuguesa o «Cinco de Outubro». (...) Nesse dia, em tal povoado, em que o padre é a «alma-mater» das mulheres-de-negro-vestidas, a politica é outra. Politica que nada tem a ver com pessoas, pois é de cães. Cães que, juntamente com os braços humanos, são exportados para todos os lados, correm mundo. E se foi a terra que baptizou a raça, foi a raça que tornou a terra falada, que a projectou para além do seu castro. CASTRO LABOREIRO é o seu nome e o seu solar.
Melgaço foi o local de encontro das pessoas de Lisboa, do Porto e de Viana que iriam superintender no concurso. Depois de almoçadas, ei-las pela estrada acima, na subida duma trintena de quilómetros. Quando os juízes e demais comitiva lá chegaram já os concorrentes aguardavam impacientemente a chegada daqueles que iriam ditar a sorte dos seus exemplares. Para os menos avisados no assunto, como o repórter, logo ressaltaram vários pormenores que chamaram a sua atenção. O certame realizava-se na «artéria» principal da povoação - Largo do Eirado - mesmo defronte da igreja (cuja primeira pedra remonta de há mais de oito séculos) e à porta das principais autoridades da terra: abade, presidente da junta e regedor. Pois para além da circunstância do concurso se realizar na via pública (a fazer lembrar um «passarelle» em plena Praça da Liberdade...), pormenor que igualmente nos despertou a curiosidade foi o facto dos exemplares se apresentarem como que «descalços» e as donas de avental à cinta e lenço pela cabeça. Com efeito, no Estoril, no Porto e em Lisboa, estávamos habituados a ver desfilar no ringue exemplares cuidadosamente tratados e o sexo feminino primar pela elegância, vestindo pelo último figurino, de tal modo que o assistente menos dado à canicultura não sabe que mais admirar, se o garbo do cão concorrente ou a distinção de quem o conduz pela trela. Pois em Castro Laboreiro os cães eram presos por nagalhos e cordas, raramente por coleira. Puxados e não exibidos por gente «fardada», de tamancos ou de botas, por mulheres «uniformizadas» de preto. De preto porque ali predomina o luto, de tal forma que até se diz que em Castro Laboreiro as mulheres são viúvas de homens vivos. Terra onde não há pobres. Disse-nos o pároco da freguesia, Rev. Padre Aníbal Rodrigues: «A emigração aqui é habitual. É tão antiga como a própria terra. O homem de Castro Laboreiro nunca se sujeitou a um nível baixo. Foi sempre sua ambição ganhar muito.» Por isso, aquela freguesia é uma comunidade de mulheres. Mulheres que, durante a ausência do pai, do marido, dos filhos, se vestem, dos pés à cabeça, de negro. É tradição de há longa data. Só quando os «homes» regressam as vestes escuras dão lugar a outras de cores garridas. 
O Padre Aníbal Rodrigues, "alma-mater» de Castro Laboreiro, confidencia as suas impressões ao repórter. Prosseguiu o nosso interlocutor: «Primeiramente os homens de Castro Laboreiro emigraram para todo o país. Depois, a grande atracção foi a Espanha e agora a França. Mas hoje não há terra onde não haja gente nossa: Brasil, Argentina, México, Taiti, Turquia, Gibraltar, Estados Unidos, Holanda, Austrália, Paquistão. Em toda a parte. Os nossos operários são altamente especializados em betão armado. De tal modo conceituados que, quando do rebentamento de diques na Holanda, foram para lá especialmente contratados. Outro exemplo elucidativo da categoria da nossa mão-de-obra: nas bases americanas na Turquia há gente daqui.»

O Padre Aníbal Rodrigues prestando declarações aos jornalistas

 O cão da raça «Castro Laboreiro» é um extraordinário cão de pastor «ai de quem toque no gado!» e cão polícia. Mas deixemos o Padre Aníbal Rodrigues, personalidade altamente credenciada na matéria, falar sobre aquela raça: «É um cão excepcional, quer em faro, quer em inteligência em valentia e docilidade. Como companhia, também não há melhor. É duma fidelidade a toda a prova. Tem um sentido de justiça que impressiona. Se o dono o castigar sem razão o animal nunca mais lhe liga, pois o cão de Castro Laboreiro tem grande aversão à injustiça». Pois esta tão «sui-generis» raça nacional, que o Exército presentemente utiliza como cães-polícias (ainda há pouco recrutou 50 naquelas paragens) e desperta o interesse dos canicultores de todo o país, esteve em vias de desaparecer, tal como acontece presentemente com o «Serra da Estrela». A raça, através dos tempos, foi-se degenerando pelo cruzamento com outras espécies. Foi então que desde há 17 anos, em Castro Laboreiro - o solar da raça - vêm sendo realizados concursos, promovidos pela Intendência de Pecuária de Viana do Castelo, em estrita colaboração e com o apoio técnico do Clube Português de Canicultura com sede em Lisboa, (entidade que no nosso país superintende na canicultura nacional) exactamente com a finalidade de fomentar e preservar aquela variedade. Dizia-nos o Dr. Teodósio Marques Antunes, Intendente Pecuário de Viana, que ao primeiro concurso estiveram presentes apenas nove animais e desses só dois eram exemplares mais ou menos característicos. «Tudo o resto era uma salada russa».
Coisa esquisita também, que chamou a nossa atenção, é o nome que a gente põe aos seus cães. Quando alguém pergunta o seu nome, a resposta é do género: «Que lhe diga ele», «Não se diz», «Pergunta-Ihe», «Como a ti», etc.
O «Cinco de Outubro» é dia de festa na freguesia, festa sem foguetes nem procissão. Prato melhorado ou saia nova. Mas festa. A mulher de Castro Laboreiro vê em tal dia a promoção dos seus cuidados no mundo canino. Data que é um chamariz à terra, de gente de todos os lados e culturas. Dia em que os naturais contactam mais de perto e se familiarizam com as pessoas da cidade.
- Hoje já não se interessam pelos prémios pecuniários - disse-nos aquele pároco.
-Só lhes interessam as taças e as medalhas ganhas pelos seus cães para as exibirem no melhor canto da casa. E o dinheiro dos prémios não lhes interessa porque em Castro Laboreiro todos vivem muito bem. Não há pobres. A nosso pedido, o «chefe espiritual» daquele povo esclareceu-nos: -Para esta pequenina terra, os emigrantes enviam mensalmente à volta de três mil contos. Esboçamos uma reacção de surpresa. O Padre Aníbal, então, à muita insistência nossa, acedeu em pormenorizar:
-Cada um remete para a família uma média de cinco a seis mil escudos. Mas há quem remeta todos os meses meia centena de contos, garantiram-nos; aquele sacerdote não desmentiu. O seu sorriso antes, confirmou. E nós próprios falámos com a esposa do proprietário da estalagem de Castro Laboreiro, na qual foram gastos três milhões de escudos, que, depois de muito instada, acabou por confessar que o marido lhe mandava de França trezentos contos anuais, ou seja, uma mensalidade de 25!” (...)

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- Jornal “O Mundo Canino” – Novembro de 1971, por Aurélio Cunha (textos) e Orlando Soares (fotos)

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sábado, 2 de maio de 2015

As incursões de Falangistas em Melgaço durante os tempos da Guerra Civil Espanhola

Ponte Internacional antiga de S. Gregório (1936)

No deflagrar da Guerra Civil espanhola, em Julho de 1936, a resistência à sublevação militar na Galiza foi levada a cabo essencialmente pelos civis das várias correntes políticas apoiantes dos republicanos. Em poucos dias,  com o apoio dos civis falangistas, as tropas franquistas controlaram todo o território galego e iniciaram uma campanha repressiva de que resultariam dois mil e quinhentos fuzilados ou “passeados” nos seis meses seguintes. Alguns conseguiram fugir e conseguiram esconder-se em aldeias raianas do Alto Minho e Trás-os-Montes.
Este clima de guerra originou uma série de incidentes na fronteira melgacense. No dia 3 de Setembro de 1936, a partir da margem galega foram disparados vários tiros contra uma pesqueira portuguesa em Paços (Melgaço) que se encontrava em obras à epoca.
 As autoridades do lado português protestaram. O Posto de Marinha, do lado galego, notificou o Tenente Lopes, Comandante da Secção de Melgaço, de que os autores dos disparos não eram militares mas sim civis. Além disso, as autoridades galegas acrescentaram que os tiros foram produzidos por grupos afetos à Falange que estavam a praticar tiro, por isso não eram dirigidas intencionalmente às obras da pesqueira.
Não foi o único caso problemático que aconteceu na area controlada pela Secção de Melgaço. No dia 10 de Dezembro de 1936, o Comando Provincial de Orense enviou um documento ao Tenente Lopes fazendo referência a factos ocorridos no dia 5 desses mesmo mês no lugar de Ribeiro de Baixo (Castro Laboreiro – Melgaço). Desconhesse-se o alcance real dos acontecimentos mas não deve ter sido coisa pouca já que provocou a intervenção direta da autoridade militar provincial de Orense. Contudo, estará relacionado com incursões e atividades de elementos afetos à Falange em território português. O Comando Territorial desta província refere-se a estes factos nos seguintes termos:
“Os elementos da Falange Espanhola que cometeram tal imprudência, fizeram-nos por conta própria e exclusiva, ignorando os tratandos internacionais que o proíbem, acreditando que fizeram bem à Causa  que defende a Espanha honrada. Nunca foram autorizados nem o fizeram com o conhecimento das autoridades espanholas, que sabemos em todo o mundo respeitar as leis internacionais, e mais ainda tratando-se de Portugal, nação irmã, que nos merece, aos bons espanhóis, respeito, afeto e carinho. Os falangistas citados foram castigados preventivamente, por minha autoridade, e desse assunto dei conta oportunamente ao Exmo. Sr. Governador Militar de Orense, que imporá o castigo definitivo a quem sejam merecedores”.
No mesmo mês, um soldado de vigilância no Posto Fiscal de Pousafoles, na mesma secção de Melgaço, informava de que durante a madrugada do dia 23 do dito mês de Dezembro de 1936, os fascistas espanhóis destruíram a ponte sobre o rio Trancoso nas proximidades de Pouzafoles. Esta ponte servia de trânsito para gado e alfaias agrícolas do povo da localidade melgacense com terrenos na ribeira do lado galego. Evidentemente, a ponte podia servia para facilitar a fuga dos elementos republicanos escondidos em terras galegas.
Como se tratava de uma ponte internacional, a destruição desta ponte foi concretizada evocando o perigo de fuga dos opositores ao General Franco para Portugal. Também por este motivo, esta tarefa foi levada a cabo por elementos civis comprometidos plenamente com a causa franquista ou seja por elementos da Falange, evitando assim o incidente diplomático. Nas mesmas circunstâncias, a antiga Ponte Internacional de S. Gregório foi, por esta altura, também destruída a partir do lado espanhol.
As movimentações dos falangistas em território português são feitas com um grande à vontade, já que as autoridades militares portuguesas e a polícia política (PVDE) prestaram estreita colaboração aos elementos da Falange chegando a irritar as autoridades locais portuguesas.
Em 1937, o comandante do posto da Guarda Fiscal da Ameijoeira (Castro Laboreiro) comunicava ao comandante da secção de Melgaço que «vieram a este posto três indivíduos da classe civil os quais diziam pertencer à Falange Espanhola para que os acompanhasse ao Ribeiro”. O objetivo desta deslocação a território português era a procura de galegos opositores ao regime franquista escondidos em terras castrejas. 
Aqui, em terras de Castro Laboreiro, a colaboração entre as autoridades militares portuguesas e membros da falange foi muito estreita. Desde o começo da guerra, houve um importante contingente de galegos opositores ao regime franquista que, depois de passarem a fronteira, tentaram esconder-se em terras castrejas. Contudo, a permanência de um grupo paramilitar estrangeiro em território português, numa situação de conflito bélico, não era, obviamente, uma situação agradável para as autoridades do Estado Novo. Depois de uma série de incursões de falangistas em Melgaço e noutras localidade raiainas, o Governador Civil de Viana do Castelo, Tomás Fragoso, recordava ao Ministro do Interior português a necessidade de reforçar os postos da Guarda Nacional Republicana para acabar com estas incursões e manter a integridade do território. Contudo os problemas das incursões falangistas em terras de Melgaço continuou praticamente até ao fim da guerra civil espanhola. As batidas na procura dos opositores ao regime franquista continuaram a ser efetuadas com falangistas e com a colaboração de militares portugueses, particularmente a PVDE.
Num documento de comunicação interno classificado, um membro da PVDE descreve o modo como se processam as detenções de galegos escondidos em Castro Laboreiro: “Geralmente, na montanha, estes indivíduos respondem com a fuga, ou com tiros, à intimação de “Alto”. E então a perseguição faz-se a tiro...
Quando presos, estes indivíduos nunca se dizem foragidos, “vermelhos” (comunistas) ou políticos. Alegam sempre terem entrado clandestinamente em Portugal em busca de trabalho. Organizados os respetivos processos, verifica-se a indigência, indocumentação e impossibilidade de se documentarem – pois os consulados espanhóis não os documentam – e é proposta a sua expulsão. E a expulsão não se pode fazer pela fronteira marítima porque os consulados, geralmente, não os documentam e as empresas de navegação não  fornecem passagens a indocumentados”.
O cerco aos galegos escondidos em Castro Laboreiro foi tão intenso que a maioria dos refugiados tentavam fugir para o exílio esperançados em conseguir documentos. A este respeito, o Diretor da PVDE enviou, em 7 de Outubro de 1937,  uma carta ao Chefe de Gabinete do Ministro do Interior, indicando-lhe que a partir da censura da correpondência de alguns portugueses, observa-se que alguns clandestinos localizados nas montanhas de Castro Laboreiro, tinham conseguido certidões de nascimento de nacionalidade argentina, para desse modo poderem documenta-se em Portugal. O diretor da polícia política emite então recomendações: “Nestas circunstâncias, rogo a V. Excelência que se digne obter do Sr. Ministro autorização para (...) que se prendam todos os estrangeiros que se apresentem com passaportes recentes tirados em Portugal sem qualquer visto desta polícia, ou sem documentação que prove a entrada legal no país, ou então sem a autorização de residência autorizada. Qualquer prisão deve ser imediatamente comunicada a esta polícia, explicando-se os motivos da captura”.
 Assim, o que se pensava num primeiro momento como uma das saídas mais fáceis para aqueles que não partilhavam a causa franquista, converteu-se num caminho sem saída. Na realidade, como já aqui foi abordado, os galegos que conseguiram passar a fronteira através do Minho ou através da serra na zona de Castro Laboreiro, encontraram em Portugal um ambiente solidário nas aldeias castrejas, ainda que as autoridades fossem, como se sabe, bastante hostis.


Informações extraídas de :
- LOPEZ, Xejus Balboa & OROZA, Herminia Pernas (2001) - Entre Nós - Estudios de Arte, Xeografia e Historia en homenaxe ó Professor Xosé Manuel Pose Antelo. Faculdade de Xeografia e Historia; Universidade de Santiago de Compostela; Santiago de Compostela;

- OLIVEIRA, César (1987) - Salazar e a Guerra Civil de Espanha, Lisboa, O Jornal, 2ª edição.