sábado, 29 de novembro de 2014

Miguel Torga subiu ao alto do castelo de Melgaço...

Vista para o castelo e Praça da República, na vila de Melgaço na década de 60


Miguel Torga, um dos maiores vultos da literatura portuguesa do século XX, conta-nos num dos seus livros, como subiu ao alto do castelo de Melgaço mas as vistas da torre deixaram-no desanimado. Desabafa com estas palavras: "Em Melgaço, do alto do castelo, tentei abranger num relance a pátria toda. Mas o horizonte visual não me ajudou. Verifiquei apenas que a burguesia comilona curava ali perto a diabetes e que o rio Minho, laboriosamente, continuava a defender a fronteira desguarnecida. Como a espada de Tristão, também aquele fio de água cristalina se esforçava por tornar impossível o coito das duas margens.
Teria chegado ao fim do inventário verde? Talvez não. Embora lido, o livro fora certamente mal interpretado. Mas quem poderia vislumbrar uma grandeza humana e telúrica soterrada por tanta parra sulfatada? Um solo que não se mostra, de tão revestido, e uma gente atacada da doença de S. Vito, perturbam qualquer observador. (…) Desanimado, meti para Castro Laboreiro à procura dum Minho com menos milho, menos couves, menos erva, menos videiras de enforcado e mais meu. 
Um Minho que o não fosse, afinal."

Veja o que Miguel Torga escreve sobre Castro Laboreiro clicando em "Miguel Torga por terras de Castro Laboreiro"

Extraído de: TORGA, Miguel (2012) - Portugal. Edições D. Quixote, 3º Edição.

terça-feira, 25 de novembro de 2014

As gentes de Castro Laboreiro e os prenúncios de morte no documentário "Em Companhia da Morte"


Este documentário filmado na freguesia de Castro-Laboreiro (Melgaço) por Vanessa VilaverdeJoão Aveledo, e Eduardo Maragoto, trata sobre a estreita relação que se estabelece entre dois elementos que formam parte indissolúvel do processo vital da existência e natureza humanas, a vida e a morte. Todo isto narrado através de historias inquietantes que se desenvolvem longe das sociedades atuais mais urbanizadas, lá nas montanhas, como neste caso, as filmadas em Castro Laboreiro.
Enquanto nas sociedades atuais a morte é esquecida, ocultada e distanciada dos avatares diários, confinada nos hospitais e casas mortuárias, nestas sociedades rurais e de montanha, algumas pessoas tratam a morte por tu, e criam figuras e sinais para fazê-la compreensível às famílias que cá moram e desenvolvem o seu quotidiano, assim mesmo mitigar os temores que ela produz.
Uma dessas figuras é o acompanhamento, um dos nomes populares dum mito que na Galiza conhecemos como “Santa Companha”, ou as candeias e estântegas, anunciadoras, todas elas, da morte.
As protagonistas deste filme e que relatam estas histórias parecem andar muito longe da nossa realidade, mas na vida diária, nas moradas das famílias que moram nestas aldeias de montanha, estão muito presentes através das mulheres de preto.







Texto adaptado de: http://pglingua.org/.

sábado, 22 de novembro de 2014

A vila de Melgaço descrita por José Saramago (1981)

A vila de Melgaço na época

José Saramago, Prémio Nobel da Literatura, no seu livro "Viagem a Portugal", de 1981, descreve a vila de Melgaço nestas palavras: "Melgaço é vila pequena e antiga, tem castelo, mais um para o catálogo do viajante, e a torre de menagem é coisa de tomo, avulta sobre o casario como o pai de todos. A torre está aberta, há uma escada de ferro, e lá dentro a escuridão é de respeito. Vai o viajante pé aqui, pé acolá, à espera de que uma tábua se parta ou salte rato. Estes medos são naturais, nunca o viajante quis passar por herói, mas as tábuas são sólidas, e os ratos nada encontrariam para trincar. Do alto da torre, o viajante percebe melhor a pequenez do castelo, decerto havia pouca gente na paisagem em aqueles antigos tempos. As ruas da parte velha da vila são estreitas e sonoras. Há um grande sossego. A igreja é bonita por fora mas por dentro banalíssima: salve-se uma Santa Bárbara de boa estampa. O padre abriu a porta e foi-se às obras da sacristia. Cá fora, um sapateiro convidou o viajante a ver o macaco da porta lateral norte. O macaco não é macaco, é um daqueles compósitos medievos, há quem veja nele um lobo, mas o sapateiro tem muito orgulho no bicho, é seu vizinho.
Logo adiante de Melgaço está a Nossa Senhora da Orada. Fica à beira do caminho, num plano ligeiramente elevado, e se o viajante vai depressa e desatento, passa por ela, e ai minha Nossa Senhora, onde estás tu? Esta igreja está aqui desde 1245, estão feitos, e já muito ultrapassados, setecentos anos. O viajante tem o dever de medir as palavras. Não lhe fica bem desmandar-se em adjetivos, que são a peste do estilo, muito mais quando substantivo se quer, como neste caso. Mas a Igreja da Nossa Senhor da Orada, pequena construção românica decentemente restaurada, é tal obra-prima de escultura que as palavras são desgraçadamente de menos. Aqui pedem-se olhos, registos fotográficos que acompanhem o jogo de luz, a câmara de cinema, e também o tacto, os dedos sobre estes relevos para ensinar o que aos olhos falta. Dizer palavras é dizer capitéis, acantos, volutas, é dizer modilhões, tímpanos, aduelas, e isto está sem dúvida certo, tão certo como declarar que o homem tem cabeça, tronco e membros, e ficar sem saber coisa nenhuma do que o homem é. O viajante pergunta aos ares de onde são os álbuns de arte que mostrem a quem vive longe esta Senhora da Orada e de todas as Oradas que por este país fora ainda resistem aos séculos e aos maus tratos da ignorância ou, pior ainda, ao gosto de destruir. O viajante vai mais longe: certos monumentos deveriam ser retirados do lugar onde se encontram e onde vão morrendo, e transportados pedra por pedra para grandes museus, edifícios dentro de edifícios, longe do sol natural e do vento, do frio e dos líquenes que corroem, mas preservados. Dir-lhe-ão que assim se embalsamariam as formas; responderá que assim se conservariam. Tantos cuidados de restauro com a fragilidade da pintura, e tão poucos com a debilidade da pedra.
Da Nossa Senhora da Orada, o viajante só escreverá mais isto: viram-na os seus olhos. Como viram, do outro lado da estrada, um rústico cruzeiro, com um Cristo cabeçudo, homenzinho crucificado sem nada de divino, que apetece ajudar naquele injusto transe.
Vai agora o viajante iniciar a grande subida para Castro Laboreiro..."

Extraído de: SARAMAGO, José (1981), Viagem a Portugal. Edições Caminho, Lisboa.

terça-feira, 18 de novembro de 2014

A tragédia da Peneda em imagens (Fevereiro de 1956)

Acabadinhas de chegar, partilho com vocês um conjunto de fotografias da tragédia da Peneda que a Sra. Teresa Lobato teve a amabilidade de me enviar. As mesmas são da autoria do seu pai, Sr. Júlio Coutinho, funcionário da Junta Autónoma de Estradas.  
Lembro ao leitor que este desastre ocorreu na manhã do dia 2 de Fevereiro de 1956. Na imprensa desse dia contava-se que  "Esta manhã, cerca das 10 horas, devido à neve que se acumulara no local, um desses penedos, que pela configuração é denominado “Cabeça da Velha”, quebrou-se e soltou-se da serra, começando a rolar com grande estrondo, pela encosta. (...) que ali é bastante inclinado, levando na frente arvoredo e casas, tudo destruindo e causando alguns feridos. A princípio, reinou mesmo o terror na região, pois as primeiras notícias deixavam prever que numerosas pessoas jaziam mortas, entre os escombros das casa que foram destruídas pelo imenso pedregulho.
Felizmente, apesar da grave extensão material do desastre, não se registaram mortos e as autoridades tomaram rápidas providências para serenar os ânimos e para prestar imediato auxílio aos feridos, alguns dos quais em estado de certa gravidade."

Leia tudo acerca deste episódio clicando em
PARTE 1
PARTE 2









NOTA: Agradeço à Sra. Teresa Lobato a partilha destas fotografias. Ajudam-nos a ter uma noção real da magnitude dos estragos causado pelo enorme bloco de granito.



sábado, 15 de novembro de 2014

Peneda (Fevereiro de 1956) - Depois da tragédia, tratam-se dos feridos e dos desalojados

A Peneda e o santuário na época


Pareceu um milagre da Nossa Senhora da Peneda. No dia 2 de Fevereiro de 1956, um enorme bloco de granito abateu-se sobre a povoação da Peneda. Miraculosamente, apenas causou alguns feridos e outros desalojados.
Na edição do dia seguinte (3 de Fevereiro), o Diário Popular faz o rescaldo do desastre ocorrido e refere “Em toda a região de Melgaço e no concelho de Arcos de Valdevez causou profunda emoção, o desastre de ontem de manhã, no lugar da Peneda, junto ao santuário do mesmo nome.
Como o Diário Popular foi o primeiro diário a noticiar, uma grande massa de granito, cujo peso é calculado em mais de 150 toneladas, devido à acumulação de neve e à infiltração das águas, tombou do alto da serra, de uma altura superior a 200 metros e principiou a rolar pela encosta, vertiginosamente, destruindo, quase por completo três casas particulares e o refúgio para peregrinos pertencente à Confraria de Nossa Senhora da Peneda.
O bloco imenso era muito admirada em toda a região pela forma estranha em que assentava, deafiando todas as leis do equilíbrio. A sua configuração assemelhava-se a uma cabeça de velha e por este nome era conhecido por toda a população das redondezas.
Por feliz acaso, não houve consequências trágicas a lamentar, as quais, se receavam. Por este facto, de Melgaço, seguiu para o local o Sr. Dr. António Cândido Esteves, tendo o Sr. José Igreja posto à disposição dos serviços de socorros o seu automóvel.
O pedregulho derrubou também na sua marcha várias árvores, assim como o muro do cemitério, o qual por seu turno, tombou desfeito sobre os jazigos. Justamente, alarmada, a população da Peneda saiu para o campo, ouvindo-se gritar as mulheres e as crianças. Umas pediam socorro, outras, ajoelhadas na terra fria, imploravam a clemência de Deus. Depois destas destruições – um dos prédios reconstruído foi atravessado de lado – o grande bloco de granito abrandou de velocidade até se imobilizar. Deixara, porém, atrás de si, um sulco profundo no terreno e no seu caminho arrastara também várias pedras de grandes dimensões.
Felizmente, todos os feridos experimentaram hoje sensíveis melhoras. No Hospital de Melgaço, tiveram já alta, seguindo já para suas casas, Constança de Sousa, casada de 45 anos, e Maria de Jesus Martins, solteira de 27 anos. Apenas continua internada mas livre de perigo, Claudina Rosa Martins.
Esta tarde, seguiram de Arcos de Valdevez para o local do sinistro, os membros da Confraria de Nossa Senhora da Peneda, o Senhor Padre Manuel Alves, os Engenheiros Rebelo Oliveira, Júlio Vilaverde, Anselmo da Cunha e Ramiro Amaral, e o representa do Sr. Arcebispo Primaz de Braga Gilberto de Brito Dantas. Como os terrenos onde se deu o desatre pertencem àquela confraria, deverá ela decidir, em princípio, as previdências a tomar para evitar novos desprendimentos de rocha, os quais, no entanto, não parecem eminentes.
O cemitério do lugar, acanhado e mal situado, estava já para ser transferido para outro local apropriado. A confraria resolveu agora definitivamente colocá-lo noutro terreno. Para o efeito, os dirigentes daquele organismo religioso avistar-se-ão com a Junta de Freguesia, a qual por seu turno, pedirá o necessário apoio económico ao Presidente da Câmara Municipal de Arcos de Valdevez, Sr. Alberto Barreiros Aranha.
A Peneda voltou à calma, regressando toda a população aos seus trabalhos normais.”

(Diário Popular de 4 de Fevereiro de 1956) 

Na edição de 4 de Fevereiro, a edição do Diário Popular conta-nos que “A mesa da Confraria de Nossa Senhora, proprietária dos domínios onde se deu o desmoronamento da Peneda, visitou os locais mais atingidos e resolveu elaborar um plano de estudos tendentes a facilitar a solução dos inconvenientes criados pelo desastre.

O seu primeiro cuidado será proceder à construção de novos alojamentos para os habitantes da Peneda que viviam gratuitamente nas casas, agora destruídas ou danificadas, caso que será resolvidos urgentemente para evitar que a pequena população ali instalada abandone a terra e se fixe noutro local com melhores meios de acesso e ligação com os centros importantes do norte do país, o que seria um perigo para os importantes bens da confraria que ficariam sujeitos a assaltos. Está também assente a construção de um novo cemitério.”

Leia tudo sobre este desastre clicando em Momentos de grande pânico na Peneda (Fevereiro de 1956)






Extraído de:
- Diário Popular, edição de 3 de Fevereiro de 1956, nº 4787;
- Diário Popular, edição de 4 de Fevereiro de 1956, nº 4788.

sábado, 8 de novembro de 2014

Momentos de grande pânico na Peneda (Fevereiro de 1956)



No dia 2 de Fevereiro de 1956, as gentes da Peneda viveram momento de grande pânico. Um grande penedo rolou vertente abaixo e arrasou casas e cemitério. Por milagre, não houve mortes. O Diário Popular na época conta o sucedido: “A população das imediações do lugar da Peneda, onde se ergue o Santuário do mesmo nome viveu hoje horas de grande alarme, quando um imenso bloco de granito, pesando algumas centenas de toneladas, se deslocou  e começou a rolar pelo terreno, que ali é bastante inclinado, levando na frente arvoredo e casas, tudo destruindo e causando alguns feridos. A princípio, reinou mesmo o terror na região, pois as primeiras notícias deixavam prever que numerosas pessoas jaziam mortas, entre os escombros das casa que foram destruídas pelo imenso pedregulho.
Felizmente, apesar da grave extensão material do desastre, não se registaram mortos e as autoridades tomaram rápidas providências para serenar os ânimos e para prestar imediato auxílio aos feridos, alguns dos quais em estado de certa gravidade. 
Junto ao Santuário de Nossa Senhora da Peneda, existiam duas massas de granito que, pelo sua posição e feitio, despertavam sempre grande interesse entre os milhares de peregrinos que anualmente, em Setembro, acorrem à romaria que ali se efetua e entre os quais se contam sempre muitos espanhóis, vindos a pé de longas distâncias.
Esta manhã, cerca das 10 horas, devido à neve que se acumulara no local, um desses penedos, que pela configuração é denominado “Cabeça da Velha”, quebrou-se e soltou-se da serra, começando a rolar com grande estrondo, pela encosta.
A pouco e pouco, a enorme massa de granito ganhou ainda mais velocidade, nada se podendo então opor à sua marcha. Árvores e outros pedregulhos, tudo era arrasado, num verdadeiro alude, que ameaçava submergir.
Uma das primeiras vítimas – felizmente quase sem consequências – da desenfreada correria do imenso pedregulho foi uma velhinha de 73 anos que andava no campo, a apanhar lenha. Ao ouvir o estrondo enorme produzido pelo granito a rolar no terreno e avistando o pedregulho que avançava na sua direção, a pobrezinha julgou chegado o seu último momento. Num gesto instintivo, não para defesa, mas para não contemplar a morte, a velhinha levantou um braço, cobrindo os olhos.
Nesse instante, a massa de granito, rolando impetuosamente, chego no local e passou sobre a velhinha. Felizmente, esta encontrava-se numa acentuada depressão no terreno. Como o volume do pedregulho era enorme, a massa granítica não penetrou no buraco. E a velhinha apenas foi atingida de raspão, precisamente no braço que erguera para cobrir os olhos, o qual ficou levemente ferido.
Mais adiante, a mole granítica derrubava árvores e, encontrando na sua frente o frágil obstáculo dos muros do cemitério, destruía-os e cruzava todo o espaço ocupado pelos jazidos, fazendo destroços, deixando atrás um sulco profundo.
Não se interrompera ainda a marcha fatídica do penedo de granito. Mais adiante, penetrava em quatro prédios, que derrubava parcialmente, lançando o pavor na vizinhança e causando, então,  ferimentos em muitas das pessoas que se encontravam nas casas atingidas.
Para se fazer uma ideia da força com que o pedregulho rolava, basta referir que uma das casas era bem sólido, pois a sua construção era recente, estando ainda a terminar-se as pinturas ali efetuadas. O penedo gigantesco atravessou a casa de lado a lado, furando as suas paredes como se fossem de cartão e causando assim prejuízos superiores a uma centena de contos.
Esses prejuízos elevaram-se rapidamente, pois outros três prédios foram igualmente atravessados pelo pedregulho. A marcha deste, no entanto, fora já consideravelmente reduzida e o penedo de granito, daí a pouco, em terreno mais plano, imobilizava-se. Para trás dela, em poucos segundos, ficara um espetáculo de horror.
Como acima referimos, ficaram feridas várias pessoas, mas muitas delas, por as suas contusões não serem de gravidade, receberam tratamento na Peneda e foram abrigadas por pessoas amigas. Pelo seu estado inspirar mais cuidados, foram internados no Hospital da Misericórdia desta vila (Melgaço) os seguintes sinistrados: Constança de Sousa, de 45 anos, com várias contusões pelo corpo; Claudina Rosa Martins, de 43 anos, casada, em estado grave, devido ao esmagamento das costelas; Maria de Jesus Martins, de 27 anos, solteira, com vários ferimentos. Estas feridas foram imediatamente assistidas pelo Sr. Dr. Esteves e pelo pessoal de enfermagem.


Na sua correria, a massa de granito causou também prejuízos no abrigo dos romeiros, que pertence ao Santuário e que só não foi destruído por ter sido atingido apenas numa esquina.”  

Recortes de jornal da época (clique nas imagens para ampliar):






Extraído de:
- Diário Popular, edição de 2 de Fevereiro de 1956, nº 4786.

domingo, 2 de novembro de 2014

O Buick dos Bombeiros Voluntários de Melgaço

O automóvel na década de 80 do século passado num desfile dos bombeiros
(Foto de Coxo Melgaço Fotos)

Fundada em 1927, a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Melgaço teve destacada atuação em 1930, quando ficou conhecida e laureada em Portugal e Espanha. Do outro lado do Rio Minho, em frente a Melgaço, na Espanha, o comboio expresso Madrid-Vigo descarrilou. O acidente foi presenciado pelos curiosos que gostavam de ver passar aquele bonito comboio. Foi dado o alarme e logo o sino da matriz tocou a rebate, convocando bombeiros e povo. De barco e a nado, atravessaram o rio, socorrendo os acidentados e resgatando seus pertences que boiavam rio abaixo. Foi um momento épico. Os jornais espanhóis e portugueses deram grande destaque ao acontecimento elogiando os bombeiros de Melgaço.
A organização nacional dos bombeiros, de Lisboa, mandou um instrutor, algum material e o povo custeou a compra de uma bomba para a recente fundada organização, carente de recursos técnicos, mas recheada de altruísmo.
A bomba era o que de melhor existia na época, de tração braçal, montada em uma espécie de carroça, para ser puxada por muares, mas que sempre foi impulsionada pelas pessoas, puxando ou empurrando.
Na mesma época, o Simão Luíz de Souza Araújo, filho da terra, que emigrara para o Brasil e aí fizera fortuna, já tinha construído o seu luxuoso palacete e tinha na garagem um automóvel Buick, seis cilindros, modelo 1924. Como a maior parte do ano esse carro ficava inativo, o Simão Araújo, empolgado com a bravura dos bombeiros da sua terra, deu-lhes esse automóvel.
Além de abnegados soldados da paz, revelaram-se, esses rapazes melgacenses, primorosos artífices.
Transformaram o luxuoso carro de passeio em sensacional carro de bombeiros. Retirada a carroçaria, adaptaram ao chassi seis poltronas com estrutura em ferro, um grande cilindro central, elevado, destinado a conter os artigos de primeiros socorros. Machados e picaretas embutidos no chassi e duas grandes roldanas com as mangueiras. Na frente, o banco do motorista era corrido onde cabiam mais três pessoas, nos estribos laterais, em pé, ia o resto da guarnição. No cimo do capô, uma sineta avisava a sua aproximação, o que seria desnecessário uma vez que para maior desenvolvimento retiraram o escapamento e os seis cilindros do poderoso motor que fazia um barulho ensurdecedor.
Haviam reforçado os feixes de molas para suportar o grande peso. Pintado todo em vermelho-sangue com os dizeres em branco nas laterais do cilindro: VIDA POR VIDA. Era uma jóia de artesanato sem utilidade. Deveria ter-lhe sido adaptada uma bomba a gasolina, o que nunca aconteceu.
O belo carro dos bombeiros era só utilizado em desfiles cívicos de quando em quando e já nos anos quarenta foi a Lisboa buscar o cadáver do Sr. Lascasas para sepultar em Melgaço.
Para não prejudicar o seu funcionamento era necessário interromper seu longo repouso, com algumas saídas. Era esse o argumento apresentado por um grupinho que, aos domingos, solicitavam autorização para um passeio. O Professor Abílio Domingues, que por imposição era o Presidente da Câmara, também era o comandante dos bombeiros, pessoa cordata que exercia cargos que não pedira e para os quais não tinha a mínima aptidão, acedia.
Por essa altura, num domingo, na estrada da Orada, na curva da fonte da Assadura, um automóvel colheu um rapaz, que, inconsequentemente, rodava em bicicleta, em grande velocidade, pelo meio da estrada. Accionaram os bombeiros para atender ao sinistro e transportar o acidentado para o hospital. Os bombeiros estavam merendando em São Gregório, onde tinham ido desenferrujar o bonito carro vermelho. O rapaz faleceu.

O carro dos bombeiros, num dos seus passeios dominicais, não estava no seu posto, quando foi preciso. Aquilo revoltou o povo e a partir dali não mais aconteceram aquelas viagens recreativas. 


Extraído de:
Texto de Manuel Felix Igrejas in: A Voz de Melgaço, nº 1373; Edição de 1 de Outubro de 2014.