domingo, 30 de março de 2014

A família Carabel e a Fábrica de Chocolates de Castro Laboreiro

(PARTE II)

Germano Carabel, já depois de regressar dos Estados Unidos.

Foi por adorar o Chocolate Carabel que Aurora Rodrigues, uma bonita viúva de Melgaço com bens no Brasil, se enamorou de Germano Carabel. Foi pelo Setembro de 1920, no fim da romaria da Senhora da Peneda. Aurora tinha ido lá com a mãe, D. Ana, em cumprimento de uma promessa. Rezou, benzeu-se e, antes de regressar a Melgaço, quis comprar chocolates. Germano estava em fim de feira e só tinham sobrado duas tabletes. Aurora insistiu que precisava de mais. Germano e o irmão Abílio arrumavam a banca dos chocolates. Aurora fora lá cumprir promessa e não queira regressar a casa sem levar tabletes de chocolate para oferecer a amigos e caseiros. Até parecia mal não levar nada. Mas só sobravam duas tabletes. Era pouco. “Quando é que fazemos mais chocolates?”, perguntara Germano ao irmão. “Para a semana...”, retorquiu Abílio. “Pois minha senhora: na próxima semana sou eu mesmo que lhas levo a sua casa, a Melgaço. Fique descansada.”
Aurora e Germano não paravam de se entreolhar nesse fim de feira. Foi em Setembro de 1920. Em 25 de Dezembro, dia de Natal, desse mesmo ano, casavam-se. Amaram-se até ao fim da vida. Aurora morreu aos 45 anos e o marido faleceu seis anos depois, também com 45 anos (era mais novo que ela seis anos).
Anos antes, Germano Carabel viu-se sozinho em Havana, Cuba, mal o obrigaram a desembarcar. Tinha 14 anos. Fugira da casa paterna, em Castro Laboreiro. Queria ir para a América, mas entrara no navio em Vigo, como clandestino. O capitão apanhou-o, pouco depois de terem zarpado de Vigo, mas condescendeu que fosse até Cuba. Depois que se arranjasse. Até lá, a viagem ser-lhe-ia penosa, pois o dinheiro escasseava. No navio viajava um galego que queimava o tempo a tocar concertina. Germano sabia tocar acordeão. Pediu então ao galego que lhe deixasse experimentar a concertina. Os passageiros deliciaram-se com o jeito do rapaz. Proporcionou mesmo momentos animados no alto mar. As moças galegas insistiam que ele tocasse, e passaram boa parte da viagem a dançar. “Cartos, cartos” (dinheiro, dinheiro!), reclamava o dono da concertina aos patrícios. As moedas tinham que cair, senão o rapaz não dava música, nem fazia dançar ninguém. Não fosse assim, e Germano também não teria arrecadado tanto dinheiro para gastar na viagem. Chegado a Havana, foi deixado à sua sorte. Quase sem dinheiro, dirigiu-se a uma pensão e pediu emprego. Mal pôde, mandou carta para Castro Laboreiro, pedindo perdão ao pai, Domingos Carabel. E dava conta que precisava de dinheiro para chegar à América. Domingos Carabel escreveu a um compadre nos Estados Unidos e conseguiu que o filho chegasse à América. Regressou a Castro Laboreiro poucos anos depois, já o pai tinha falecido. Mas continuou com o seu irmão Abílio a fábrica de chocolate que o pai fundara.

A Família Carabel era mão para toda a obra. O fabrico de chocolates constituía a sua principal fonte de rendimento, mas, não contente com o que ganharia com isso, ainda tinha loja aberta, em Castro Laboreiro. Entre tamancos, miudezas e fazendas, também arranjava tempo para tratar de caixões e funerais. Mais tarde, começara a publicar a publicar um jornal, “A Neve”. Utilizava-o até para anunciar os seus esmerados chocolates. A  publicidade era também deliciosa nos dizeres: Quereis um bom casamento? – Tomai o chocolate da afamada fábrica “Caravelos” de Castro Laboreiro, que atrai a simpatia”. A alcunha era “Carabel”, mas vá-se lá hoje saber qual o porquê da designação de “Caravelos” no dito anúncio. O jornal surge já quando a fábrica estava sob a gerência dos irmãos Abílio e Germano Carabel. Ambos eram redatores do jornal, tinham jeito para a escrita. Sobretudo, o Abílio Alves Carabel. Ainda se está para saber que guinada deu aos irmãos para fazerem um jornal no meio de uma serra tão agreste como a de Laboreiro. O diretor era um tal Abílio Domingos, professor primário, que depois se radicou em Braga, onde morreu. Seriam os três que financiavam o jornal, mas que deixou de se publicar, quando Germano Carabel foi dirigir a filial em Melgaço da Fábrica de Chocolates Carabeis Sucessores, antes de ter viajado para o Brasil, com a mulher e filhos, onde permaneceu alguns anos para gerir os bens da esposa. O negócio das fazendas e dos tamancos já viria do tempo do velho Domingos Carabel, pai de Abílio e Germano. O dos caixões e funerais terá surgido depois. A Fábrica de chocolates deixou de laborar há cerca de 70 anos.


Para ver a 1ª parte desta reportagem, clique em
 http://entreominhoeaserra.blogspot.pt/2014/03/a-familia-carabel-e-fabrica-de.html


Informações extraídas de:
- "A Fábrica de Chocolates da família Carabel e os sabor que se desfez ao redor de... Castro Laboreiro", reportagem de Pedro Leitão in: SIM, Revista do Minho, nº 143 de Dezembro de 2013.


Nota: Um enorme OBRIGADO à Sra. Teresa Lobato. Ao jornalista Pedro Leitão, um especial OBRIGADO por esta magnífica reportagem e pela partilha!

quarta-feira, 26 de março de 2014

A família Carabel e a Fábrica de Chocolates de Castro Laboreiro

(PARTE I)

Domingos "Carabel", fundador da Fábrica de Chocolates de Castro Laboreiro 
(Início do século XX)

A Família Carabel era mão para toda a obra. O fabrico de chocolates constituía a sua principal fonte de rendimento, mas, não contente com o que ganharia com isso, ainda tinha loja aberta, em Castro Laboreiro, há 70 anos. Entre tamancos, miudezas e fazendas, também arranjava tempo para tratar de caixões e funerais, além de publicar um jornal.
Ainda hoje ninguém sabe explicar que guinada deu a Domingos António Alves, Carabel por alcunha, para... montar uma fábrica de chocolates em terra bem alta e fragosa, flagelada pela neve de Dezembro a Fevereiro, agreste como poucas, cheia de agruras (e amarguras), de invernias infindáveis, onde o cacau não aparecia aos pontapés, nem com alquimias elaboradíssimas, e ainda mais numa época de isolamento total! A verdade é que a imprescindível matéria-prima subia à aldeia serrana de Castro Laboreiro, vinda lá do Brasil, com a mesma facilidade com que as trutas sobem ainda o rio Laboreiro.
Parece que o homem andara por Trás-os-Montes, parece que terá corrido meio-mundo, entregando-se à arte de pedreiro ou a outras que para aí calhassem, mas dar-lhe assim para a doçaria, e logo de chocolate, será cousa que a memória da terra não registará assim do pé para a mão.
Corria o ano de 1908, quando Domingos Carabel, já talvez homem para os seus 38 anos, se pôs a fazer tabletes de um saboroso chocolate, que ganhara fama nas décadas que se seguiram, ao redor de Melgaço, ao redor de Monção, ao redor de Valença, tendo chegado, mais tarde, aos olhos e ouvidos dos ingleses, que até mandaram pedir, por carta, amostras dos rótulos do dito produto, vá lá hoje saber-se porquê. Domingos Carabel faleceu em 1918, e o negócio dos chocolates, se não acabava por aí, teria, pelo menos, conhecido uma pausa ou abrandado o ritmo produtivo.
Deu-se o caso de o seu filho Abílio Alves, que ainda andaria de luto por ele, ter assentado praça no Regimento de Caçadores nº 9, à época sediado em Valença do Minho. Parece que já andaria preocupado com o futuro do negócio, quando ainda batia o “esquerdo e o direito” lá pela parada do quartel. Pelos vistos, mal regressasse à vida civil, a cousa fiava fino, agora que não tinha o pai para lhe valer.
Parece que do melhor apuro em chocolates saberia tanto como os seus colegas de camarata perceberiam de jesuítas. Um dia, estando de licença, vai à Fábrica de Chocolates de Valença, assim como quem não quer a coisa, passando então por um tropa que apenas lá ia sem ter mais para onde ir ou que fazer.
Fez-se desentendido e muito mais de desinteressado e, durante a visita, se mais não viu, foi porque não quis: abriram-lhe a fábrica como quem abre um livro com todos os capítulos. Espiou os ingredientes, numa rápida introdução à matéria, espreitou a melhor aplicação das fórmulas, tomou o gosto e o cheiro ao cacau que por lá se gastava, e depressa aprendeu a receita da casa. Estava com ela ferrada!
Acabado o serviço militar, andou, ainda, por terras galegas a micar umas quantas outras receitas e, já catedrático na cousa, aperfeiçoou a sua própria receita, a tal que deu sabor especial aos “Chocolates Carabeis, Sucessor” ou “Chocolates Castro Laboreiro”, como era mais conhecidos. Abílio Alves Carabel fez então contas à melhor rentabilidade do fabrico, para relançar o negócio.
As primitavas instalações que ocupavam parte do edifício em pedra do atual Núcleo Museológico de Castro Laboreiro, não tinham ao tempo energia elétrica, e o carvão, a que o pai Domingos Carabel sempre recorrera, onerava os custos.
Abílio Carabel consegue então autorização dos Serviços Hidráulicos, onde chegou a trabalhar, para um barracão no rio Laboreiro, e aproveita a força motriz da água. Energia assim de borla não havia, nem haverá para fazer chocolate.
Por essa maré, ainda o seu irmão Germano Carabel estava emigrado na América do Norte, pensando talvez no regresso, após uma longa ausência. Germano tinha sido um aventureiro como poucos: aos 14 anos, conhecer um galego de Entrimo, concelho da Galiza contíguo a Castro Laboreiro, que o influenciou a emigrar.
“Queres ir para a América? Olhas que lá ganhas mais do que aqui, e não estás sujeito a tantos trabalhos.” Estas palavras do galego desencaminhador deram a volta à cabeça do rapaz. Correu a pedir autorização ao pai, mas Domingos António Carabel disse redondamente que não. Tinha quatro filhos, três rapazes e uma rapariga e, se germano partisse, era menos uma mão na lide da fábrica.
O moço cismou, porém, que haveria de ir, o galego prometeu-lhe que o ajudava a emigrar, e um dia fugiu de casa paterna seguindo o vizinho de Entrimo. Apanha com ele o comboio até Vigo, e daqui embarca, clandestinamente, rumo às Américas. No alto mar é descoberto, mas o compincha convence o capitão do navio a deixar o rapaz em paz. Em Havana, Cuba, é obrigado a desembarcar. À América do Norte só chegaria muitos meses depois. Regressa a Castro Laboreiro já feito homem, e associa-se ao irmão Abílio, que continuava solteiro e solteiro continuou até ao fim da vida, apesar das aventuras amorosas, envolvendo-se até com uma criada “de alto lá com ela”.
Os dois irmãos, Abílio e Germano, deram-se bem no negócio dos chocolates. E até ao fim da vida também nunca andaram desavindos. Só uma ida de Germano ao Rio de Janeiro, para uma permanência prolongada, os separa, novamente. As encomendas de cacau eram feitas a importadores do Porto, os pedidos iam por carta, quem as escrevia era sempre Abílio Carabel.

Forneciam os chocolates a casas comerciais da região, mas dedicavam-se à venda direta pelas feiras e romarias. As tabletes iam metidas em papel especial, que nunca se soube onde o arranjavam, mas que conservava o chocolate com a mesma eficácia das pratas. Ricos e pobres adoravam o produto!


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Informações extraídas de:
- "A Fábrica de Chocolates da família Carabel e os sabor que se desfez ao redor de... Castro Laboreiro", reportagem de Pedro Leitão in: SIM, Revista do Minho, nº 143 de Dezembro de 2013.


Nota: Um enorme OBRIGADO à Sra. Teresa Lobato. Ao jornalista Pedro Leitão, um especial OBRIGADO por esta magnífica reportagem e pela partilha!

sexta-feira, 21 de março de 2014

O rio Mouro e a lenda que deu origem ao seu nome

Rio Mouro, próximo da desembocadura com o rio Minho

O rio Mouro nasce na freguesia de Lamas do Mouro. Corre a oeste até à freguesia de de Podame e depois depois para norte até desaguar no Minho, entre Valladares e Monsão, percorrendo em seu curso aproximadamente 6 léguas.
Na anterior Chorographia, encontramos a etymologia do nome d"este rio: diz o autor ter habitado em tempo antigo no local em que está hoje a freguesia de S. Pedro, um poderoso mouro que ali tinha uma quinta e coutada de recreação para caçar, e era senhor de toda a margem esquerda do mesmo rio. Por por occasião das guerras entre mussulmanos e christãos, fugindo o dito mouro e vendo-se perseguido e em grande afflicção, por não poder o cavallo saltar a corrente, que é perigosa no sitio que ainda chamam Salto do Mouro, ali (posto que infiel) clamou por Santiago, com promessa de se fazer christão se livre fosse d'aquelle perigo. Como com effeito foi, saltando para a margem opposta, razão porque à ponte que depois ali se construiu se chamou Ponte do Mouro, à freguesia de S. Pedro de Riba de Mouro, e Mouro também ao rio onde este fado occorreu, e do qual ficou testemunho em um padrão que ainda em meados deste século (século XIX) se conservava ainda, um pouco acima e do lado occidental da referida ponte.

São estes padrões senão provas irrefragaveis da verdade histórica dos successos a que se referem, pelo menos da tradição constante dos povos, a qual não deve a descripção chorographica do paiz deixar de mencionar.

Rio Mouro, em Lamas de Mouro (Melgaço)

Extraído de: BAPTISTA, João Maria (1874) - Chorographia Moderna do Reino de Portugal. Volume I, Typographia da Aacademia Real das Sciencias, LIsboa. 

quarta-feira, 19 de março de 2014

A estrada de Melgaço a S. Gregório em 1909 - A paisagem mais bonita de Portugal


S. Gregório (Melgaço) em postal de início do século XX


A revista “Serões”, magazine popular publicado no início do século passado, lançou um desafio a vários vultos das artes e das letras do país. Cada escritor ou artista teria que escrever um texto sobre aquela que era, no seu entender, a paisagem mais linda de Portugal. Leia o que o escritor Anthero de Figueiredo escreveu...
“Das muitas paisagens deste lindo Portugal, diante das quais meus olhos tem parado commovidos e agradecidos, uma há que mais se demora em mim. É esse bocado que vai de Melgaço a S. Gregório à beira do rio Minho, em frente de terras espanholas – lá em cima, no extremo norte de Portugal. Desde o Peso, a estrada, na encosta sobe, às curvas, sobranceira ao rio, que nesse sítio, separa dois países. De cá campos de milho e outeiros de verdura. De lá,a Galiza sombria e montanhosa. Numa extensão de meia légua, sempre o Minho se vai deixando ver: próximo, suas águas são claras e simples. Mas vistas de longe, no fundo do vale, são, ora lívidas, ora brilhantes e, na distância, de estranha physionomia. O mesmo é nas terras baixas, e nos montes: são verdes os lameiros e os milheiraes que nos cercam, relvadas as valetas, floridos os canteiros, as hortas alinhadas, amiga a sombra dos carvalhidos, fartos os espigueiros, abastadas as medas e as eiras, tranquilos os muros, modestas mas alegres as casas de brancos telhados, resignados os mendigos, joviaes os remediados. Mas do outro lado, para além, há collinas agrestes, campos pobres, espessas matas de bravios pinheiraes, montes atormentados de arestas penascosas, montanhas escalvosas, serenas e estoicas e, ao longe,  nos despovoados campos da Baixa Galliza, adivinham-se casaes sem pão, e mendigos trágicos e pastores esfomeados. Lá, por essas serras distantes que noutras serras se prendem e perdem, pela Espanha dentro da cordilheira cantábrica, até às Vancongadas!
Paisagem amena e dura, amável e tremenda, próxima e longínqua tem em si ensinos profundos: ella é uma voz de bondade e de força clamando a lição penetrante da vida! Faz sorrir, pensar, sofrer! Olhamo-la com olhos abertos e alegres, e, meditando, olhamo-la com olhos fechados e pesarosos!
Ainda um dia voltarei a visitar a linda capella de Nossa Senhora da Orada, que, no alto, à borda da estrada, olha para tal paisagem de agrado e de meditação. E ahi, na paz do seu pequeno adro e à sombra do seu portal românico, diante dessa terra de silencioso instruir, hei-de compor uma oração, não à Athenêa, como Rénan na colina sagrada da acrópole, mas à deusa Serenidade – a deusa dos olhos bellos e frios, a deusa calma e triumphadora que ensinou a libertação a Budha e a renuncia a Epicteto."


       Capela de Nossa Senhora da Orada em 1909, na estrada da vila de Melgaço para S. Gregório

Extraído de: FIGUEIREDO, Anthero de (1909) “A Paisagem Portugueza: Inquérito aos homens de lettras e outros artistas” in: Revista “SERÕES”, Nº 50, Agosto de 1909.

quinta-feira, 13 de março de 2014

As irmãs Touza de Ribadavia e a fuga dos judeus a Hitler pela rota do contrabando por Cevide (Cristóval - Melgaço)

As irmãs Touza

Entre 1941 e 1945, três irmãs galegas de Ribadavia, as Touza, montaram uma rede que apoiou a fuga de centenas de judeus sem visto, fazendo-os entrar ilegalmente em Portugal. O neto de Lola Touza acredita que ela conheceu o cônsul Aristides Sousa Mendes.
Imagine-o como um velho filme de espiões a preto e branco. Haveria nevoeiro como na cena final de Casablanca, quando Ilse e Rick se separam. Mas, em vez de um avião que parte, chega um comboio a uma pequena estação de província. A locomotiva chia e detém-se entre uma nuvem de vapor. Alguns passageiros descem das carruagens e dirigem-se ao quiosque onde três mulheres oferecem bebidas frescas.
Entre Março de 1927 e o final de 1929, o cônsul de Portugal em Vigo, Aristides Sousa Mendes, deslocar-se-ia a Madrid com alguma regularidade, para se avistar com o embaixador Melo Barreto. Em Ribadavia, o comboio fazia uma paragem de 20 minutos para meter água e muitos passageiros desciam das carruagens para tomar um refresco, um licor, um copo de vinho, ou comer os famosos biscoitos que se vendiam no quiosque da estação, gerido por três irmãs solteiras, as Touza (Lola, Amparo e Julia).
Julio Touza, neto de Lola, acredita que a sua avó e o cônsul português se podem ter conhecido aí, numa dessas paragens. "O comboio parava em Ribadavia e eu acredito que tenha conhecido a minha avó nessa altura. As pessoas boas, generosas, valentes e nobres têm um sentido especial para se reconhecerem", diz.
Trata-se, é verdade, de uma mera suposição. Julio Touza, arquitecto em Madrid, está ainda a reunir dados que permitam confirmá-la ou desmenti-la. Mas não deixa de ser verosímil que, tendo ou não chegado a conversar, Aristides Sousa Mendes e as irmãs Touza se tenham cruzado, alguma vez, na estação ferroviária de Ribadavia. Oito décadas depois, não há dúvidas de que estão juntos: no jardim do Museu Yad Vashem, de Jerusalém, onde se plantam árvores em homenagem àqueles que, durante a Segunda Guerra Mundial, ajudaram a salvar judeus em fuga da perseguição nazi.
A forma como Aristides Sousa Mendes, então cônsul em Bordéus, emitiu, em 1940, à revelia do Governo de Salazar, vistos que permitiram a fuga de cerca de trinta mil pessoas (dez mil das quais eram judeus), obteve reconhecimento internacional pouco tempo depois da derrota dos nazis. A história das irmãs Touza, porém, permaneceu em segredo durante décadas e só foi desvendada em 2005. Chamam-lhes, agora, as Schindler galegas.
Em 1941, a Espanha sob a ditadura de Francisco Franco tinha ainda muito viva a memória do envolvimento de Hitler na guerra civil de 1936-39, o qual permitiu às tropas franquistas vencerem os republicanos. Apesar da aliança, o regime era relativamente tolerante para com os judeus em trânsito para os portos portugueses ou africanos durante a Segunda Guerra Mundial. As irmãs Touza, porém, tinham chegado a ser presas durante a guerra civil, por levarem comida a republicanos detidos, e, por isso, mantiveram sempre em segredo toda a operação que terá permitido que cerca de 500 judeus fugidos do nazismo chegassem a Portugal, a caminho da liberdade.
O silêncio só foi quebrado aquando da morte de Antón Patiño Regueira, um livreiro de Vigo que tomou conhecimento do caso por intermédio de um emigrante galego regressado de Nova Iorque, onde tinha mantido contacto, na década de 1960, com Isaac Retzmann, um dos judeus auxiliados pelas Touza. A edição do livro Memória de Ferro, em 2005, revelou o esboço da investigação que Regueira tinha efectuado, a qual permitiu, mais tarde, homenagear as três irmãs de Ribadavia. Mais recentemente, a história foi também narrada no livro Entre Bestias y Héroes, do conceituado jornalista Diego Carcedo.
Tanto quanto é possível saber, a história começa numa noite de Abril de 1941, na mesma estação ferroviária por onde, às vezes, Aristides Sousa Mendes passava em trânsito entre Vigo e Madrid. Lola Touza reparou num homem alto, sujo e com a barba por fazer, o qual permanecia sentado, há horas, num banco de madeira a um canto da gare, vendo os vagões passarem Minho acima, Minho abaixo. Acercou-se dele e, mesmo não entendendo o idioma em que falava, ajudou-o. Chamava-se Abraham Bendayem e terá sido o primeiro a ser salvo pela pequena rede que as Touza, com Lola à cabeça, montaram nos anos seguintes, abrindo aquela que seria uma das mais importantes rotas clandestinas de fuga de judeus pela Península Ibérica.
Para assegurar a confidencialidade da operação, a rede era composta por um contingente mínimo: as três irmãs, dois taxistas, o Rocha e o "Caveira", que conduziam um Dodge preto, um emigrante retornado, a quem chamavam "O Evangelista" e que servia de tradutor, e um barqueiro, Ramón Estévez - que ainda está vivo. Conta, por exemplo, que estava a ajudar o pai, Francisco Estévez, a descarregar uma carreta de tijolos, quando Lola apareceu a perguntar se ia pescar e se, nesse caso, podia fazer o favor de passar para Portugal uma pessoa que não podia viajar de carro ou comboio. Era um alemão.
"Nessa mesma madrugada, às quatro em ponto, fomos a casa de Lola levando canas de pesca. Dissemos ao estrangeiro que não falasse. Fomos directamente para as margens do Minho e andámos toda a noite. Ninguém suspeitaria de nada, uma vez que era comum os pescadores saírem a essa hora para pescarem trutas e enguias para matar a fome." Horas depois, tinham percorrido 40 quilómetros por um caminho empedrado. Chegaram a Frieira, uma aldeia galega junto a uma das partes mais estreitas do rio. "Como eu era um miúdo - recordou Ramón Estévez no livro de Carcedo -, o alemão perguntou-me se eu me importava que tirasse a roupa. Disse-lhe que não. Ele dobrou-a e prendeu-a à cabeça com o cinto. Disse-me que nunca mais me esqueceria e deu-me um duro de prata. Vi como entrou na água e como alcançou a margem portuguesa e, desde aí, nunca mais soube nada dele. Tinha o número 451 tatuado no antebraço. Disse que se chamava Abraham Bendayem."

Na rota do contrabando
Do outro lado do rio, no concelho de Melgaço, Cevide orgulha-se de ser "o lugar mais a norte de Portugal". Em São Gregório, ali perto, havia, na época, um posto da Guarda Fiscal, o que não impedia que passasse por Cevide uma das mais importantes rotas de contrabando entre os dois países, beneficiando da mancha florestal que ainda persiste, cortada pelo cursos do Minho e do Trancoso, que ali se encontram. Sabendo-se que o quiosque das Touza na gare de Ribadavia era utilizado como esconderijo para o café Sical que vinha do lado português da fronteira, não é difícil imaginar que os judeus em fuga tenham percorrido, para chegar a Portugal, os mesmos caminhos que eram utilizados pelos contrabandistas. "Mas nunca nenhum dos antigos contrabandistas com quem falei mencionou essas histórias", ressalva Angelina Esteves, chefe da Divisão de Cultura da Câmara de Melgaço, que tem a seu cargo o Espaço Memória e Fronteira, com uma sala dedicada ao contrabando.
O segredo era, também do lado de cá, a alma do negócio. Não só pela ilegalidade daquela actividade, mas também porque, a partir de 1942, a autorização para a circulação de judeus em Portugal passou a carecer de autorização da PIDE. Em Ribadavia, o silêncio durou 60 anos, quanto mais não fosse porque, em 1941, a Gestapo tinha agentes destacados em Vigo, acompanhando o comércio de volfrâmio a partir dos portos galegos. Dois desses agentes terão, de resto, chegado a deslocar-se a Ribadavia, à procura de um judeu alemão fugido de França - seria o mesmo Abraham Bendayem que escapara de um campo de detenção de Lyon com um asturiano que foi abatido a tiro.
A necessidade de nunca falar do assunto, mesmo após o fim da guerra, justifica também o facto de, até 2005, Julio Touza nunca ter ouvido falar das actividades clandestinas da avó. "O meu pai, sim, sabia da história e deve ter ajudado. Tinha, na altura, 26 anos. Mas nunca me contou nada", disse ao P2. "Ele foi professor até à década de 1950 e, quando abandonou o ensino, ocupou um cargo de direcção numa empresa de electrodomésticos, com direito a carro e motorista. Escolheu, para o lugar, José Rocha, o filho de um dos taxistas que ajudavam a minha avó e as minhas tias. Depois, quando este emigrou, contratou José Miguez, filho do "Caveira". Sem dúvida que o meu pai não só sabia da história, como continuou a ter a seu lado os filhos daqueles que colaboraram com a minha avó."

História de silêncios
Desde o dia em que a história foi revelada, Julio Touza recebe quase diariamente contactos de escritores, jornalistas e cineastas interessados em contar a história "ao estilo da lista de Schindler". "Respondo a todos que ainda não é o momento. Que uma história de silêncios, como esta, deve tranquilizar-se na alma antes de poder ser contada com simplicidade, mas com toda a crueza, para que não se repita a sangria do Holocausto", diz.
Apesar do resguardo, o arquitecto vai narrando alguns episódios que ajudam a compor o quadro da época. Recorda, por exemplo, a bolsa de moedas de prata que Lola guardava num gavetão do velho aparador. "Ela não queria que ninguém lhe mexesse. Eu pensava que ela coleccionava moedas, mas agora percebo que as guardava como recordação de outros tempos. Usara-as para pagar favores e ajudar os judeus em fuga. Mas nunca ninguém na família o soube, nem sequer o seu único filho, o meu pai", contou numa entrevista.
Guillermo, outro dos netos de Lola, recordou ao jornal La Opiniónter encontrado uma vez uma cama num sótão da casa, entre enormes vigas e sempre fechado. Seria a cama onde os judeus pernoitavam, escondidos numa divisão obscura.
Lola era, nos anos 1940, conhecida como "a mãe", por ter tido um filho de pai incógnito. Seria, de resto, uma bela mulher, cuja fotografia tinha chegado a circular pela frente republicana, para animar os soldados. Vivia com as irmãs numa espécie de casino, geria o quiosque da estação e esperava os comboios com uma cesta de doces nas mãos. Umas vezes oferecia os caramelos e biscoitos de amêndoa pelas janelas das carruagens, outras entrava nos comboios. Nessas ocasiões, tomava conhecimento do dia e da hora da chegada dos judeus, através de contactos mantidos entre Girona, Medina del Campo e Monforte. Os fugitivos eram escondidos, alimentados e, depois, seguiam para a fronteira um a um, ou em pequenos grupos de três ou quatro pessoas, esperando chegar aos portos portugueses onde podiam embarcar para o continente americano.
Ao P2 Julio Touza acrescentou que a fuga também utilizava, às vezes, o comboio: "A minha avó e as minha tias, gerindo o quiosque da estação, conheciam muitos empregados da ferrovia. Creio que, às vezes, escondiam os judeus em vagões de mercadorias e conseguiam que algum funcionário os ajudasse a saltar onde fosse mais fácil passar para Portugal. Suponho que também pagassem a alguns guardas para que os não detivessem, embora quase sempre evitassem as fronteiras e passassem pelo rio ou pelos montes."
O segredo da operação manteve-se. Lola morreu em 1966, Amparo em 1981 e Julia em 1983 - sem que nada daquela história fosse revelado. Só em Setembro de 2008 as irmãs Touza foram homenageadas em Ribadavia pela ajuda prestada aos judeus. "Recordar as irmãs Touza é um exemplo para o futuro, de amor e de valor, princípios tão escassos nestes tempos de ódios", escreveu, então, Ron Pundak, director-geral do Peres Center for Peace.


Extraída de: "Irmãs galegas ajudaram judeus a escapar a Hitler". Reportagem de Jorge Marmelo in: P2, edição de 4 de Fevereiro de 2012.

terça-feira, 11 de março de 2014

Cantiga popular castreja (1882)

Castro Laboreiro, em 1902

Recordamos aqui uma cantiga da tradição oral castreja e recolhida em 1882 em Castro Laboreiro por José Leite de Vasconcelos e publicada no Romanceiro Português da Tradição Oral Moderna. Em 2003, foi recordada na edição nº 4 de Março de 2003 do jornal "Porto dos Cavaleiros".

A cantiga tem os seguintes dizeres:



Oléiendinha tem desejos de ir à casa de seu pai.

— Se não tens outros desejos, toma o caminho e vai.
Teu marido foi à caça, três dias há-de tardar,
e da caça que ele trouxer eu algo te hei-de guardar.

— P’ra onde foi Oléiendinha que me não fe’lo jantar.
Olindinha, ó meu filho, teremos de a matar,
Porque a mim chamou-me p*ta e a ti filho de meu pai.
Oléiendinha não se mata, castigo se l’há-de dar,
e apronte-me esse cavalo que a quero ir buscar.
Eram três horas batidas, estava lá a chegar.

— Paridinha de três dias, p’ra onde a queres levar?

— Ou parida ou por parir a cavalo a vou botar.
Anda mais, ó Olindinha, anda mais àquele lugar,
ali não faltam galinhas nem capões p’ra t’eu matar.

— Não preciso das tuas galinhas nem também dos teus capões
Manda-me chamar o padre, que me quero confessar.

— Ó menino de três dias, se me puderes falar…
se me puderas  dizer onde tua mãe foi parar!

— Minha mãe, não tenha pena, que p’ró céu vai caminhando,

E a perra da minha avó p’ró Inferno vai chorando.


Extraído de: Romanceiro Português da Tradição Oral Moderna. (Re)Publicada no jornal "Porto dos Cavaleiros", nº 4, Março de 2003.

quinta-feira, 6 de março de 2014

De Melgaço a Castro Laboreiro (1904)... com José Leite de Vasconcelos

Castreja, em 1907

Em 1904, estando a veranear nas Agoas do Peso, fiz uma excursão a Castro-Laboreiro em companhia do Rev.º Manoel José Domingues, Abbade de Melgaço. A excursão foi muito breve. Partimos num dia de manhã, e voltamos no dia seguinte depois de almôço. Tomei porém algumas notas ethnográficas e dialectológicas que poderão ter utilidade para os estudiosos. Por isso, aqui as publico, pouco mais ou menos na mesma fórma em que as tomei.
Castro Laboreiro fica na serra, em uma das regiões portuguesas mais rústicas, por tanto preciosissima para investigações ethnológicas. Há, de facto, a seu respeito já um ‘’ensaio anthropologico’’ dado a lume por Fonseca Cardoso na revista Portugália, e algumas referências avulsas publicadas no que toca a trajos, pelo falecido Rocha Peixoto, que igualmente se refere a Castro-Laboreiro num artigo que escreveu nas Notas sobre Portugal, I, (1908), acerca das fórmas da vida communalistica no nosso pais.
A palavra Castro-Laboreiro está por Castro-do-Laboreiro, pois nos compostos d’esta espécie a particula articular, do, reduz-se, a de, que depois cae às vezes: cfr. Ponte de Lima , por do Lima, beira-mar por beira- do-mar. O povo em vez de Castro diz sempre Crasto (e sem Laboreiro). Esta palavra não é mais que o latim Castrum que no latim da decadência significava ‘’oppidum’’; ella applica-se no nosso pais aos montes em que ha vestigios de fortificações da epoca lusitanica: Castro-Laboreiro deve ter sido na origem um castrum proto-historico.
O nome patrio dos habitantes de Laboreiro é Crastejos, que assenta na fórma popular Crasto, já citada.                    
   Como disse, partimos de Melgaço, o Sr. Abbade e eu, uma manhã às 9 e meia, montados em mulas, e acompanhados de duas robustas mocetonas, calçadas de grossos çoques (i.é, çocos ou ‘’socos’’), e com polainas de branqueta. Não pareça descortesia irem dous homens com mulheres por arreeiras; é este o costume local.
   Fomos subindo montes, e atravessando miseros logarejos: Cavalleiros, Cabana, Villa do Conde, Candosa, Ladrunqueira; neste último as nossas companheiras beberam vinho mosto por uma malga, em uma venda.
   Ao passarmos por Fiães, visitámos as ruinas do convento que ahi se vêem entre bons campos, em meio do mysterioso silencio que outr’ora convidava os monges à meditação; a entrada para lá é uma bella alameda de carvalhos. A igreja conserva ainda as suas portas ogivaes. Diz-se que em tempos viera para aqui a imagem de uma santa, que fez que num campo próximo rebentassem agoas milagrosas que encheram um tanque; há muito que os milagres acabaram, mas a lenda, que já tem o protótypo antigo na de Hippocrene, continua a occupar a mente do povo, sempre propensas a maravilhas, especialmente por estes lindos sitios do Alto-Minho, onde cada elemento da natureza, fonte, ribeiro, collina, penhasco, árvore, ajuda a conservar os mytos poéticos do passado, e promove a criação de outros novos.
   Em vez de pinheiros, que abundavam até agora, começam a ver-se unicamente vidos ou bidos (i.é, ‘’vidoeiros’’ou ‘’bétulas’’), carvalhos e plantas rasteiras. Continuámos a subir, e chegámos ao sitio do Outeiro da Loba, que na sua denominação dá ideia da fauna local. Depois chegámos a uma aldeia chamada A Alcobaça, palavra bastante curiosa, já por ser precedida pelo artigo a, já porque serve para desfazer o erro dos que supõem que a villa de Alcobaça, na Estremadura, deve o seu nome aos rios Alcoa e Baça. Vê-se que Alcobaça foi expressão comum e bastante geral: além dos dois citados exemplos, temos Alcobacinha no districto de Santarém, e Alcobaza na Hespanha.
   Na Alcobaça termina propriamente a colheita do milho e principia a do centeio. O milho, como é raro, recolhem-no em canastros de vergas de carvalho, - espécie de sebes de carro, tapadas com cupulas de colmo; peculiaridade esta d’aqui, e de Lamas de Mouro, que fica proximo.

   Pouco depois entrámos na freguesia de Castro-Laboreiro, pelo lugar de Porto de Cavalleiros: casas cobertas de colmo (na Alcobaça já algumas), que, vistas de longe, mal se distinguem, na côr, dos giganteos penedos de granito que as rodeiam. Portellinho, logo em seguida, é povoação da mesma categoria. Contarei uma aventura que me aconteceu aqui. Quando vou a alguma aldeia, costumo examinar os teares, porque ás vezes os pesos d’elles ou tém forma artística, ou são objectos archeologicos, achados casualmente no campo, e applicados para aquelle uso; em Portellinho vi um tear, e pedi á tecedeira, - uma velha, em mangas de camisa, com o collete muito rente ao corpo, e grossas polainas -, me deixasse entrar em casa, no que ella de boa vontade consentiu, pois cuidou que eu era carpinteiro; a breve trecho, porém, como a nossa gente do campo vive sempre debaixo do pesadelo dos tributos, suppôs-me fiscal da fazenda, e toda se affligiu, sendo precisa a conciliadora intervenção do Sr. Abbade para lhe incutir sossêgo, e eu poder sondar em descanso o vetusto apparelho penelopeu, que infelizmente nada tinha especial."

Leia tudo o que este investigador descobriu em Castro Laboreiro em http://entreominhoeaserra.blogspot.pt/2013/04/excursao-castro-laboreiro-em-1904-pelo.html

Extraído de: Extraído de: VASCONCELOS, J. Leite de (1916) - Excursão a Castro Laboreiro in: Revista Lusitânia, Lisboa. 

domingo, 2 de março de 2014

Poesia popular casteja (início do século XX)

Castro Laboreiro, 1903


No ano de 1904, estava José Leite de Vasconcelos nas Termas do Peso. Num belo dia, montado numa mula e acompanhado do Padre Manuel José Domingues, abade de Melgaço e de mais duas mulheres guias, lá vão até Castro Laboreiro num duro percurso (ainda não havia estrada). Em Crasto, fez uma interessante recolha de usos e costumes, incluindo poesia popular, de tradição oral, da época.
No seu artigo "Excursão a Castro Laboreiro", onde conta tudo sobre esta viagem, Leite de Vasconcelos reproduz uma série de quadras da tradição popular casteja:


Adeus, ó bila de Crasto,
As costas lh’eu bou birando,
Im que lh’eu as costas bire,
Meu coraçom bai chorando.


Adeus, ó bila d’Acastro,
Probência de Tras-os-montes,
No dia que t’eu nõ bêjo,
Meus olhos são duas fontes 
(quadra variante de uma outra popular na região transmontana)

Adeus, ó terra de Crasto
As costas te bou birar,
Bou para o bal de Chabes (refere-se ao vale de Chaves)
Donde m’eu bou desterrar.

Fita berde no chapéu
Meu amor, nõ lh’a ponhais,
Dá-lh’o bento abole, abole…
E eu côido que m’açanais!

Heid’ amar o cordom berde,
Im quanto tiber berdura,
Hei-d’amar a quem quijer
Q’inda nõ fije scritura.

Neste lenço deposito
Lágrimas que por ti choro
Por nõ poder alcançar
Os braços de quem adoro

Esses teus lindos olhos
Som cadeias de bom ferro,
Prisões que me a mim sigurã…
Eu outras já as nõ quero.

Alfaite, guarda a filha,
Nõ na ponhas na jenela,
Os soldados da marinha
Nõ tirã os olhos dela.

Alfaites nõ som homes,
Nem se lhes póde chamar,
Quando pérdim uma agulha,
Logo se põ a chorar!


Extraído de: VASCONCELOS, J. Leite de (1916) - Excursão a Castro Laboreiro in: Revista Lusitânia, Lisboa.