segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Do Castro Laboreiro ao Castro Laboreiro (Memórias de estórias da raia)

Castro Laboreiro de outros tempos

Na revista Arraianos, no seu 1º número, encontramos uma estória muito interessante que nos conta o seguinte: "O dia 6 de agosto erguinme moi cedo para facer a romeria da Nosa Señora da Peneda, camiñando a través das poulas, das gramas, da gándaras; polos cotos onde pacen, ceibes,as vacas piscas. Ía eu na compaña dos meus pais e mais duns cantos da mina aldea de Casardeita, incluído o abade, aos que, axiña, se xuntaron outros camiñantes de Leirado que levaban a mesma rota. Estabamos moi ledos todos nós. Eu gozaba aquelas vacacións escolares coma nunca gozara outras. Chegados ao santuario, após de longas horas de duro andar, instalámonos nunhas leiriñas de aló para pasarmos o día e sentirlles cantar o vira ás voces delgadas da raia, que parece que se che espetan na alma. A mamai fora ás misas e o papai presentoume dous señores. Un era baixote, de barbicha arroxada, carecas, que vestía uniforme e resultou ser o Capitán Costa Beirão, da escuadra da Garda Fiscal de Melgaço. O outro, máis mozo, ollos claros e prominentes, alto e de bigode raro, chamábase João de Sousa Mendes; foime fulminantemente simpático e puxémonos a ligar unha improvisada conversa sobre o saudosismo. Desempeñaba, este segundo señor, as funcións de profesor de Primaria en Castro Laboreiro. Pois ben, cando Sousa Mendes se inclinaba para deixar no riacho a folla de bacallau de mollo para o xantar, mentres asobiaba ledamente a Marcha Turca de Mozart, foi agredido por un animal enorme. Un can negro coma o demo que o trabou na gorxa e o deixou morto instantáneo sen que ningún dos presentes fose capaz de lle facer separar as queixadas. Só se detivo o bruto, que era da raza enxebre daquelas serras, cando o Capitán o abateu a tiros da sua arma regulamentar. Pouco antes do ataque e de tan terríbel morte, o infortunado Profesor, ledamente sorprendido polas miñas afeccións literarias, tan excepcionais ou escasas nos países da raia, entregárame, cun sorriso tímido que lle suliñaba a pouca espesura do bigote, un manuscrito narrativo intitulado “O castelo das poulas”, que tirou ao efecto dun peto do seu casaco. Comprobei, na altura, que o Profesor ía moi perfumado. Tales papeis son os que reproducín anteriormente de modo literal, aínda que lixeiramente modificado o texto pola transcripción galega. Con todo, conservo, malenconicamente, o orixinal en portugués por se algún esprito cursidoso quixese contrastar. Escuso decer que o luctuoso feito diu moito que falar no estraño triángulo cuxos vértices se sitúan en Celanova, Montalegre e os Arcos de Valdevez."

Texto extraído de: Arraianos, Número 1, Agosto de 2004.

domingo, 21 de dezembro de 2014

"Volta a Portugal em 80 Dias" em Melgaço



Viajando por terras de Melgaço...

Foram emitidas recentemente na SIC Notícias uma série de reportagens sobre a “Volta a Portugal em 80 dias” no programa  “Volante”. A última das reportagens é dedicada a Melgaço. A viagem é contada também no blogue “Grande Turismo”. 
As paisagens da nossa terra, o alvarinho, a gastronomia, tudo terminado com um piquenique com salpicão, pão e alvarinho no meio de garranos...
Veja o vídeo aqui... 




No blogue Grande Turismo encontramos o seguinte texto “Melgaço é a vila mais a Norte de Portugal. Dormir na Pousada de Juventude de Melgaço foi o mais a Norte que dormimos em Portugal. De um lado o Rio Minho que desenha a fronteira com a Galiza, do outro o Parque Natural de Peneda Gerês e o fantástico planalto de Castro Laboreiro. A localização para conhecer as terras de Alto Minho não podia ser melhor. Daqui é possível fazer interessantes rotas até Castro Laboreiro ou pelas quintas onde se produz o mais afamado vinho verde português – com base na casta alvarinho. O Palácio da Brejoeira ou a Quinta do Soalheiro são duas visitas obrigatórias. Os cinéfilos podem ficar em Melgaço e visitar o curioso museu do Cinema que reúne o espólio de um colecionador francês e que vai das primeiras máquinas de filmar e projetar até a uma gigantesca coleção de cartazes de cinema. Quem preferir o contacto com a natureza não pode deixar de fazer a caminhada até ao planalto de Castro Laboreiro e admirar a beleza dos cavalos garranos (que ainda vivem em estado semi-selvagem) ou dos cães Castro Laboreiro, uma das poucas raças genuinamente portuguesas.
Depois de um dia de explorações a Pousada de Juventude de Melgaço oferece o melhor descanso para aventureiros e também para os estudantes da Escola Superior de Desporto e Lazer de Melgaço que aqui estão alojados, fruto de um acordo com a Movijovem. A Pousada fica inserida num agradável parque desportivo e de lazer da cidade. Com a chegada do Outono as árvores vestem as folhas escarlates, o melhor dos cenários para beber o café da manhã."

Texto extraído de:
http://www.grandeturismo.com/2014/10/26/dormir-no-ponto-mais-a-norte-de-portugal/

sábado, 20 de dezembro de 2014

A emigração nos anos 60 em artigo da "Voz de Melgaço" (1967)





Num artigo publicado na edição da “Voz de Melgaço” de 1 de Fevereiro de 1967, é abordada a questão da emigração e do consequente esvaziamento populacional do concelho e da região.

Emigração: Problema número um do Minho

Todo o país é afectado por esse grande problema que é o da emigração. Falemos, particularmente, do que nos diz respeito, à nossa província e, de um modo especial, a Melgaço. É sabido que grande parte dos nossos contemporâneos deixam a terra que lhe foi berço para procurar noutras, no estrangeiro, o pão-nosso de cada dia, muitos deles, que a sorte sobeja, ganham proventos, que depois, os revertem na terra onde nasceram. Veja-se, por exemplo, a febre da construção civil que vai por todo este concelho. Certamente que é dinheiro dos emigrantes que nunca esquecem a sua querida terra, que lá longe vive dentro deles. A presença da terra e dos seus familiares é sempre sentida e vivida por quem um dia abandonou tudo para um rumo melhor nas suas condições de vida. Porém, há outros, e nesse número estamos nós, que nunca abandonamos esta querida terra talvez que é próprio do ser humano. Não quero dizer com isto que há, em nós, tom de censura, no que outros pensam e desejam ser realizado. No entanto, apesar de não possuirmos ambições, nos limites da nossa vida, sentimos à nossa volta um bem-estar de vida (...).

Talvez um dia pensássemos em ir de alongada pelas terras de África, das nossas províncias ultramarinas. É uma coisa que nos fala ao nosso sangue.”


Extraído de: 
- A Voz Melgaço, edição de 1 de Fevereiro de 1967 citado por CASTRO, Joaquim de & MARQUES, Abel (2003). Emigração e contrabando. Melgaço: Centro Desportivo e Cultural de São Paio.

sábado, 13 de dezembro de 2014

O contrabando na raia do Laboreiro e os contrabandistas castrejos




Num artigo publicado, Américo Rodrigues e José Domingues falam-nos dos contrabandistas castrejos bem como do seu modus operandi. Dão também uma ideia de como o contrabando era tão importante para estas povoações serranas.
"O contrabando, numa terra que sempre teve dificuldade em dar pão aos seus filhos, num tempo de guerra (1936-1945) e fascismo (Franco e Salazar), foi deveras importante e desenvolveu localmente o comércio e estatutos sociais. 
Aqui praticou-se sobretudo o contrabando “às costas” e o contrabando feito com muares - machos e mulas. Cada homem levava em média 25-30 quilos e as viagens duravam, às vezes, horas, ou mesmo dias e noites. Os animais transportavam uma centena de quilos e normalmente não passavam a raia delimitadora dos dois países. O contrabando de camião surgiu aquando da abertura das estradas em terra, uma na serra do Laboreiro, que ligou Portelinha aos Portos, e a outra, a actual estrada de fronteira, da Vila à Ameixoeira. Tal tipo de contrabando é por isso recente, e contava com a cumplicidade da Guarda Fiscal, que engordava à manjedoura da actividade, sem qualquer ética ou princípio de classe. Apesar da dificuldade em formatar esta actividade, considero que existem três tipos de contrabando distintos. Um contrabando familiar, de subsistência, exercido principalmente pelas mulheres e filhos, que esporadicamente deslocavam-se ao outro lado da fronteira, às lojas, para se abastecer de bens de primeira necessidade para a casa: azeite, bacalhau, uns sapatos, pimento, sabão, etc. Podia acontecer até irem trocar batatas por feijões ou milho. Outro contrabando, já mais profissional, é encabeçado, na maioria das vezes por comerciantes da zona. Compram e vendem de um lado e do outro da raia, com “amigos” do ofício. Para isso, contratam grupos de cinco, dez ou mais pessoas (familiares e vizinhos), para irem “ao outro lado” ou à raia, a pé, por vezes com animais de carga, buscar e levar os produtos. Para os locais, é um contrabando de subsistência que ajudava a enganar os tempos de miséria e privações. Homens, mulheres e rapazes, depois dos trabalhos do dia a dia, no campo e no monte, levam as cargas pela calada da noite aos locais combinados. O mais famoso e o mais bem sucedido dos contrabandistas foi “O Mareco” de Várzea Travessa. “O Frade” das Coriscadas talvez seja o segundo da hierarquia, no entanto são conhecidos de todos: “O Carqueijo” de Padresouro, com loja em Padresouro e depois na Vila, “O Mochena” das Eiras, com loja nas Cainheiras e depois na Vila, “O Chimpa” de Várzea Travessa, “O Albano” “Pereira” com loja nos Antões e depois na Vila, “O Varanda” de Portelinha, ou o “Nicho” da Vila. Estes homens não fizeram vida de emigrante (alguns partiram à aventura mas regressaram novos) como era moda na sua geração. O contrabando é a sua profissão desde muito cedo. Alguns já contrabandeiam em plena guerra civil espanhola. Melhoram bastante a sua condição de vida, poupam e compram quintas por todo o Alto Minho. Chegam a investir na banca portuguesa. A maioria dos castrejos formados (os primeiros), por universidades portuguesas, estudantes no final dos anos 50, é descendente deles. Estes homens gozam de um estatuto social superior e pela primeira vez os seus filhos passam a pertencer à classe média portuguesa. O Mareco é mesmo um dos homens mais ricos entre o rio Lima e Minho (norte de Portugal). Ao longo do século XX, nos lugares mais próximos da fronteira, são referenciadas muitas lojas de contrabando. Recordo aqui a loja do “Chastre” em Dorna, a do “Bernardo” na Assureira, a de Manuel “Maceira” no Rodeiro, natural de Várzea Travessa, a loja dos Antões de António “Carrapiço”, a loja do Outeiro de Domingos “Bernardo”, natural das Falagueiras, mais tarde comerciante na Vila, ou a loja da “Cordas” (que foi para o Brasil) no Outeiro, sita no prédio com o nome de Casino. O negócio era com galegos, e era vê-los curvados de sacos de café às costas em direcção à raia. O contrabando dos anos setenta e oitenta é em grande escala. Gado e bananas são os produtos mais conhecidos. Da velha guarda restam “O Frade” e “O Albano”, que ainda contrabandeiam, quase por gosto e obrigação, mas com eles, estão reformados da França ou ex-emigrantes jovens, que disto fazem modo de vida. Há mesmo contrabandistas de outras paragens, como o Salvador da Gave. Na estrada asfaltada fazem uso de camiões e as vacas entram aos milhares pela fronteira,com destino a todos os matadouros do norte e centro do país. As bananas abastecem todo o mercado nacional. Confessa um contrabandista: “em 1984, numa noite normal podia ter de lucro 2000 euros”. As famílias mais pobres e até alguns estudantes jovens ganham dinheiro todas as noites “a passar vacas” ou a carregar caixas de bananas. Os Guardas-fiscais reclamam parte dos lucros. O dinheiro circula a rodos. Na maior parte das vezes, os produtos eram enviados, recebidos e geridos por redes situadas em muitas vilas e cidades da Espanha e de Portugal. Estas redes faziam acordos com estes homens, conhecedores do terreno, das pessoas e das forças militares. Tudo acabou no início dos anos 90. Os últimos foram “Os do Ribeiro”, família Pires, do Ribeiro de Baixo. Deixo aqui uma nota de nostalgia para a contrabandista a retalho, “Tia Rezaura”, de nome Rosana, galega, que viveu sozinha até ao final da vida, no lugar da Assureira (inverneira de Castro Laboreiro), que de manhã ia comprar “peças” de trigo, chocolate, azeite, galhetas, e mais, à loja da amiga Luiza no lugar galego de Pereira, para venda aos Castrejos, e à tarde deixava algum guarda fiscal em turno, quentar-se em dia de frio, ao lume da sua lareira, oferecendo-lhe copa ou café acompanhado dos deliciosos e açucarados doces galegos."


Texto extraído de:
- DOMINGUES, José & RODRIGUES, Américo (2009) - Contrabando pela raia seca do Laboreiro, NEPML in: Boletim Cultural de Melgaço, Câmara Municipal de Melgaço.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

O Presunto de Melgaço em Soneto de 1893



No livro "Poetas Minhotos", de 1893, encontramos um poema com uma curiosa referência ao Presunto de Melgaço. O soneto diz o seguinte:


"Aquella Rosa branca, a flor mais viva
Dos jardins olorosos de Granada,
Já não parece a flor enamorada,
Triste por viver só, viver captiva.

Outrora, em seu mirante, pensativa,
Muitas vezes a luz da madrugada
A via entre boninas, enlevada,
Nos sons d'uma guitarra fugitiva.

Agora, a Beatriz do Poeta abstruso,
A Elleonora das canções do Tasso,
A Nathercia gentil do cantor luso,

Sol perdido em nevoeiro escuro e baço,
A citharas prefere a roca e o fuso, 
Aos meus cantos, presuntos de Melgaço!"


De João Penha.

Extraído de: PIMENTEL, Alberto (1893) - Poetas do Minho. "Livraria Escolar de Cruz" Editores, Braga.

sábado, 6 de dezembro de 2014

Melgaço em meados do séc. XX: A crise na agricultura e a criação do Grémio da Lavoura



Em Melgaço, em meados do século XX, a situação da agricultura manifestava-se sob a forma de subsistência, sendo a pobreza e a escassez algo endémico. No jornal Notícias de Melgaço, em Junho de 1959, refere-se que “Passa de longo, ó viandante que Melgaço não é já aquela terra de outros tempos, onde a alegria esfusiava nos trabalhos de campo; estourava a cada passo por esses caminhos das romarias e na vila choviam fosquinhas para se assistir às festas populares do mês de Junho. Vai tão mudado isto cá por cima, que nem sequer as crianças apareceram a pedir tostãosinho para andarem por esses cantos o altar a Santo António (...). Ó leitor amigo! Não nos dirás onde poderemos ir buscar a cura deste nosso mal?” (In Notícias de Melgaço, 14 de Junho 1959, ano 31, nº 1320).
No mesmo Notícias de Melgaço, em Maio de 1963, diz-se ainda que “É grave a crise que a lavoura está a atravessar e cada vez os seus males e as suas dificuldades se estão tornando mais evidentes e a aumentar de volume em cada dia que passa. É o solo, a quem faltam os fertilizantes e os correctivos que se vai negando a dar ao lavrador as décimas do suor e das despesas que lhe acarreta. É o vinho, armazenado nas adegas, sem procura e sem protecção que aguarda a hora fatídica da volta (...). É a fuga do trabalhador que, em legião e procurando melhores ares, vai enriquecer a terra alheia, contribuído com a sua ausência e a falta dos seus braços para maior empobrecimento da nossa agricultura. É a falta de rega (...).Tem o governo procurado, por diversos meios, melhorar a sorte da pobre lavoura (...).
Neste concelho, graças à indignação que há anos o grémio da lavoura deu das necessidades e pretensões das freguesias, já alguma coisa se fez nesse sentido, e maiores e mais vastas teriam sido essas obras e esses benefícios se os povos não se activassem sem apenas a providência do estado.” (In Notícias de Melgaço, 26 de Maio de 1963, ano XXXV, nº 1472)
Ao longo da década de sessenta, surgem neste jornal várias notícias, em forma de apelo no sentido da construção de uma cooperativa agrícola, no âmbito do segundo plano de fomento português. Em muitos artigos, é referido o exemplo do vizinho concelho de Monção, como que espicaçando os melgacenses. Contudo, em Melgaço, quedaram-se pela construção de um grémio da lavoura: “O grémio da lavoura, pela voz do seu ilustre presidente, um nosso colaborador e amigo, professor (...), chamou à atenção dos agricultores melgacenses para as vantagens que resultariam da constituição de uma sociedade destinada ao estabelecimento da adega cooperativa no nosso concelho. Ninguém deu ouvidos à autorizada e insistente defesa desse importante empreendimento...” (in Notícias de Melgaço, 3 de Novembro de 1963, ano XXXV, nº 1490).

Texto extraído de:
CASTRO, Joaquim de & MARQUES, Abel (2003). Emigração e contrabando. Melgaço: Centro Desportivo e Cultural de São Paio.

sábado, 29 de novembro de 2014

Miguel Torga subiu ao alto do castelo de Melgaço...

Vista para o castelo e Praça da República, na vila de Melgaço na década de 60


Miguel Torga, um dos maiores vultos da literatura portuguesa do século XX, conta-nos num dos seus livros, como subiu ao alto do castelo de Melgaço mas as vistas da torre deixaram-no desanimado. Desabafa com estas palavras: "Em Melgaço, do alto do castelo, tentei abranger num relance a pátria toda. Mas o horizonte visual não me ajudou. Verifiquei apenas que a burguesia comilona curava ali perto a diabetes e que o rio Minho, laboriosamente, continuava a defender a fronteira desguarnecida. Como a espada de Tristão, também aquele fio de água cristalina se esforçava por tornar impossível o coito das duas margens.
Teria chegado ao fim do inventário verde? Talvez não. Embora lido, o livro fora certamente mal interpretado. Mas quem poderia vislumbrar uma grandeza humana e telúrica soterrada por tanta parra sulfatada? Um solo que não se mostra, de tão revestido, e uma gente atacada da doença de S. Vito, perturbam qualquer observador. (…) Desanimado, meti para Castro Laboreiro à procura dum Minho com menos milho, menos couves, menos erva, menos videiras de enforcado e mais meu. 
Um Minho que o não fosse, afinal."

Veja o que Miguel Torga escreve sobre Castro Laboreiro clicando em "Miguel Torga por terras de Castro Laboreiro"

Extraído de: TORGA, Miguel (2012) - Portugal. Edições D. Quixote, 3º Edição.

terça-feira, 25 de novembro de 2014

As gentes de Castro Laboreiro e os prenúncios de morte no documentário "Em Companhia da Morte"


Este documentário filmado na freguesia de Castro-Laboreiro (Melgaço) por Vanessa VilaverdeJoão Aveledo, e Eduardo Maragoto, trata sobre a estreita relação que se estabelece entre dois elementos que formam parte indissolúvel do processo vital da existência e natureza humanas, a vida e a morte. Todo isto narrado através de historias inquietantes que se desenvolvem longe das sociedades atuais mais urbanizadas, lá nas montanhas, como neste caso, as filmadas em Castro Laboreiro.
Enquanto nas sociedades atuais a morte é esquecida, ocultada e distanciada dos avatares diários, confinada nos hospitais e casas mortuárias, nestas sociedades rurais e de montanha, algumas pessoas tratam a morte por tu, e criam figuras e sinais para fazê-la compreensível às famílias que cá moram e desenvolvem o seu quotidiano, assim mesmo mitigar os temores que ela produz.
Uma dessas figuras é o acompanhamento, um dos nomes populares dum mito que na Galiza conhecemos como “Santa Companha”, ou as candeias e estântegas, anunciadoras, todas elas, da morte.
As protagonistas deste filme e que relatam estas histórias parecem andar muito longe da nossa realidade, mas na vida diária, nas moradas das famílias que moram nestas aldeias de montanha, estão muito presentes através das mulheres de preto.







Texto adaptado de: http://pglingua.org/.

sábado, 22 de novembro de 2014

A vila de Melgaço descrita por José Saramago (1981)

A vila de Melgaço na época

José Saramago, Prémio Nobel da Literatura, no seu livro "Viagem a Portugal", de 1981, descreve a vila de Melgaço nestas palavras: "Melgaço é vila pequena e antiga, tem castelo, mais um para o catálogo do viajante, e a torre de menagem é coisa de tomo, avulta sobre o casario como o pai de todos. A torre está aberta, há uma escada de ferro, e lá dentro a escuridão é de respeito. Vai o viajante pé aqui, pé acolá, à espera de que uma tábua se parta ou salte rato. Estes medos são naturais, nunca o viajante quis passar por herói, mas as tábuas são sólidas, e os ratos nada encontrariam para trincar. Do alto da torre, o viajante percebe melhor a pequenez do castelo, decerto havia pouca gente na paisagem em aqueles antigos tempos. As ruas da parte velha da vila são estreitas e sonoras. Há um grande sossego. A igreja é bonita por fora mas por dentro banalíssima: salve-se uma Santa Bárbara de boa estampa. O padre abriu a porta e foi-se às obras da sacristia. Cá fora, um sapateiro convidou o viajante a ver o macaco da porta lateral norte. O macaco não é macaco, é um daqueles compósitos medievos, há quem veja nele um lobo, mas o sapateiro tem muito orgulho no bicho, é seu vizinho.
Logo adiante de Melgaço está a Nossa Senhora da Orada. Fica à beira do caminho, num plano ligeiramente elevado, e se o viajante vai depressa e desatento, passa por ela, e ai minha Nossa Senhora, onde estás tu? Esta igreja está aqui desde 1245, estão feitos, e já muito ultrapassados, setecentos anos. O viajante tem o dever de medir as palavras. Não lhe fica bem desmandar-se em adjetivos, que são a peste do estilo, muito mais quando substantivo se quer, como neste caso. Mas a Igreja da Nossa Senhor da Orada, pequena construção românica decentemente restaurada, é tal obra-prima de escultura que as palavras são desgraçadamente de menos. Aqui pedem-se olhos, registos fotográficos que acompanhem o jogo de luz, a câmara de cinema, e também o tacto, os dedos sobre estes relevos para ensinar o que aos olhos falta. Dizer palavras é dizer capitéis, acantos, volutas, é dizer modilhões, tímpanos, aduelas, e isto está sem dúvida certo, tão certo como declarar que o homem tem cabeça, tronco e membros, e ficar sem saber coisa nenhuma do que o homem é. O viajante pergunta aos ares de onde são os álbuns de arte que mostrem a quem vive longe esta Senhora da Orada e de todas as Oradas que por este país fora ainda resistem aos séculos e aos maus tratos da ignorância ou, pior ainda, ao gosto de destruir. O viajante vai mais longe: certos monumentos deveriam ser retirados do lugar onde se encontram e onde vão morrendo, e transportados pedra por pedra para grandes museus, edifícios dentro de edifícios, longe do sol natural e do vento, do frio e dos líquenes que corroem, mas preservados. Dir-lhe-ão que assim se embalsamariam as formas; responderá que assim se conservariam. Tantos cuidados de restauro com a fragilidade da pintura, e tão poucos com a debilidade da pedra.
Da Nossa Senhora da Orada, o viajante só escreverá mais isto: viram-na os seus olhos. Como viram, do outro lado da estrada, um rústico cruzeiro, com um Cristo cabeçudo, homenzinho crucificado sem nada de divino, que apetece ajudar naquele injusto transe.
Vai agora o viajante iniciar a grande subida para Castro Laboreiro..."

Extraído de: SARAMAGO, José (1981), Viagem a Portugal. Edições Caminho, Lisboa.

terça-feira, 18 de novembro de 2014

A tragédia da Peneda em imagens (Fevereiro de 1956)

Acabadinhas de chegar, partilho com vocês um conjunto de fotografias da tragédia da Peneda que a Sra. Teresa Lobato teve a amabilidade de me enviar. As mesmas são da autoria do seu pai, Sr. Júlio Coutinho, funcionário da Junta Autónoma de Estradas.  
Lembro ao leitor que este desastre ocorreu na manhã do dia 2 de Fevereiro de 1956. Na imprensa desse dia contava-se que  "Esta manhã, cerca das 10 horas, devido à neve que se acumulara no local, um desses penedos, que pela configuração é denominado “Cabeça da Velha”, quebrou-se e soltou-se da serra, começando a rolar com grande estrondo, pela encosta. (...) que ali é bastante inclinado, levando na frente arvoredo e casas, tudo destruindo e causando alguns feridos. A princípio, reinou mesmo o terror na região, pois as primeiras notícias deixavam prever que numerosas pessoas jaziam mortas, entre os escombros das casa que foram destruídas pelo imenso pedregulho.
Felizmente, apesar da grave extensão material do desastre, não se registaram mortos e as autoridades tomaram rápidas providências para serenar os ânimos e para prestar imediato auxílio aos feridos, alguns dos quais em estado de certa gravidade."

Leia tudo acerca deste episódio clicando em
PARTE 1
PARTE 2









NOTA: Agradeço à Sra. Teresa Lobato a partilha destas fotografias. Ajudam-nos a ter uma noção real da magnitude dos estragos causado pelo enorme bloco de granito.



sábado, 15 de novembro de 2014

Peneda (Fevereiro de 1956) - Depois da tragédia, tratam-se dos feridos e dos desalojados

A Peneda e o santuário na época


Pareceu um milagre da Nossa Senhora da Peneda. No dia 2 de Fevereiro de 1956, um enorme bloco de granito abateu-se sobre a povoação da Peneda. Miraculosamente, apenas causou alguns feridos e outros desalojados.
Na edição do dia seguinte (3 de Fevereiro), o Diário Popular faz o rescaldo do desastre ocorrido e refere “Em toda a região de Melgaço e no concelho de Arcos de Valdevez causou profunda emoção, o desastre de ontem de manhã, no lugar da Peneda, junto ao santuário do mesmo nome.
Como o Diário Popular foi o primeiro diário a noticiar, uma grande massa de granito, cujo peso é calculado em mais de 150 toneladas, devido à acumulação de neve e à infiltração das águas, tombou do alto da serra, de uma altura superior a 200 metros e principiou a rolar pela encosta, vertiginosamente, destruindo, quase por completo três casas particulares e o refúgio para peregrinos pertencente à Confraria de Nossa Senhora da Peneda.
O bloco imenso era muito admirada em toda a região pela forma estranha em que assentava, deafiando todas as leis do equilíbrio. A sua configuração assemelhava-se a uma cabeça de velha e por este nome era conhecido por toda a população das redondezas.
Por feliz acaso, não houve consequências trágicas a lamentar, as quais, se receavam. Por este facto, de Melgaço, seguiu para o local o Sr. Dr. António Cândido Esteves, tendo o Sr. José Igreja posto à disposição dos serviços de socorros o seu automóvel.
O pedregulho derrubou também na sua marcha várias árvores, assim como o muro do cemitério, o qual por seu turno, tombou desfeito sobre os jazigos. Justamente, alarmada, a população da Peneda saiu para o campo, ouvindo-se gritar as mulheres e as crianças. Umas pediam socorro, outras, ajoelhadas na terra fria, imploravam a clemência de Deus. Depois destas destruições – um dos prédios reconstruído foi atravessado de lado – o grande bloco de granito abrandou de velocidade até se imobilizar. Deixara, porém, atrás de si, um sulco profundo no terreno e no seu caminho arrastara também várias pedras de grandes dimensões.
Felizmente, todos os feridos experimentaram hoje sensíveis melhoras. No Hospital de Melgaço, tiveram já alta, seguindo já para suas casas, Constança de Sousa, casada de 45 anos, e Maria de Jesus Martins, solteira de 27 anos. Apenas continua internada mas livre de perigo, Claudina Rosa Martins.
Esta tarde, seguiram de Arcos de Valdevez para o local do sinistro, os membros da Confraria de Nossa Senhora da Peneda, o Senhor Padre Manuel Alves, os Engenheiros Rebelo Oliveira, Júlio Vilaverde, Anselmo da Cunha e Ramiro Amaral, e o representa do Sr. Arcebispo Primaz de Braga Gilberto de Brito Dantas. Como os terrenos onde se deu o desatre pertencem àquela confraria, deverá ela decidir, em princípio, as previdências a tomar para evitar novos desprendimentos de rocha, os quais, no entanto, não parecem eminentes.
O cemitério do lugar, acanhado e mal situado, estava já para ser transferido para outro local apropriado. A confraria resolveu agora definitivamente colocá-lo noutro terreno. Para o efeito, os dirigentes daquele organismo religioso avistar-se-ão com a Junta de Freguesia, a qual por seu turno, pedirá o necessário apoio económico ao Presidente da Câmara Municipal de Arcos de Valdevez, Sr. Alberto Barreiros Aranha.
A Peneda voltou à calma, regressando toda a população aos seus trabalhos normais.”

(Diário Popular de 4 de Fevereiro de 1956) 

Na edição de 4 de Fevereiro, a edição do Diário Popular conta-nos que “A mesa da Confraria de Nossa Senhora, proprietária dos domínios onde se deu o desmoronamento da Peneda, visitou os locais mais atingidos e resolveu elaborar um plano de estudos tendentes a facilitar a solução dos inconvenientes criados pelo desastre.

O seu primeiro cuidado será proceder à construção de novos alojamentos para os habitantes da Peneda que viviam gratuitamente nas casas, agora destruídas ou danificadas, caso que será resolvidos urgentemente para evitar que a pequena população ali instalada abandone a terra e se fixe noutro local com melhores meios de acesso e ligação com os centros importantes do norte do país, o que seria um perigo para os importantes bens da confraria que ficariam sujeitos a assaltos. Está também assente a construção de um novo cemitério.”

Leia tudo sobre este desastre clicando em Momentos de grande pânico na Peneda (Fevereiro de 1956)






Extraído de:
- Diário Popular, edição de 3 de Fevereiro de 1956, nº 4787;
- Diário Popular, edição de 4 de Fevereiro de 1956, nº 4788.

sábado, 8 de novembro de 2014

Momentos de grande pânico na Peneda (Fevereiro de 1956)



No dia 2 de Fevereiro de 1956, as gentes da Peneda viveram momento de grande pânico. Um grande penedo rolou vertente abaixo e arrasou casas e cemitério. Por milagre, não houve mortes. O Diário Popular na época conta o sucedido: “A população das imediações do lugar da Peneda, onde se ergue o Santuário do mesmo nome viveu hoje horas de grande alarme, quando um imenso bloco de granito, pesando algumas centenas de toneladas, se deslocou  e começou a rolar pelo terreno, que ali é bastante inclinado, levando na frente arvoredo e casas, tudo destruindo e causando alguns feridos. A princípio, reinou mesmo o terror na região, pois as primeiras notícias deixavam prever que numerosas pessoas jaziam mortas, entre os escombros das casa que foram destruídas pelo imenso pedregulho.
Felizmente, apesar da grave extensão material do desastre, não se registaram mortos e as autoridades tomaram rápidas providências para serenar os ânimos e para prestar imediato auxílio aos feridos, alguns dos quais em estado de certa gravidade. 
Junto ao Santuário de Nossa Senhora da Peneda, existiam duas massas de granito que, pelo sua posição e feitio, despertavam sempre grande interesse entre os milhares de peregrinos que anualmente, em Setembro, acorrem à romaria que ali se efetua e entre os quais se contam sempre muitos espanhóis, vindos a pé de longas distâncias.
Esta manhã, cerca das 10 horas, devido à neve que se acumulara no local, um desses penedos, que pela configuração é denominado “Cabeça da Velha”, quebrou-se e soltou-se da serra, começando a rolar com grande estrondo, pela encosta.
A pouco e pouco, a enorme massa de granito ganhou ainda mais velocidade, nada se podendo então opor à sua marcha. Árvores e outros pedregulhos, tudo era arrasado, num verdadeiro alude, que ameaçava submergir.
Uma das primeiras vítimas – felizmente quase sem consequências – da desenfreada correria do imenso pedregulho foi uma velhinha de 73 anos que andava no campo, a apanhar lenha. Ao ouvir o estrondo enorme produzido pelo granito a rolar no terreno e avistando o pedregulho que avançava na sua direção, a pobrezinha julgou chegado o seu último momento. Num gesto instintivo, não para defesa, mas para não contemplar a morte, a velhinha levantou um braço, cobrindo os olhos.
Nesse instante, a massa de granito, rolando impetuosamente, chego no local e passou sobre a velhinha. Felizmente, esta encontrava-se numa acentuada depressão no terreno. Como o volume do pedregulho era enorme, a massa granítica não penetrou no buraco. E a velhinha apenas foi atingida de raspão, precisamente no braço que erguera para cobrir os olhos, o qual ficou levemente ferido.
Mais adiante, a mole granítica derrubava árvores e, encontrando na sua frente o frágil obstáculo dos muros do cemitério, destruía-os e cruzava todo o espaço ocupado pelos jazidos, fazendo destroços, deixando atrás um sulco profundo.
Não se interrompera ainda a marcha fatídica do penedo de granito. Mais adiante, penetrava em quatro prédios, que derrubava parcialmente, lançando o pavor na vizinhança e causando, então,  ferimentos em muitas das pessoas que se encontravam nas casas atingidas.
Para se fazer uma ideia da força com que o pedregulho rolava, basta referir que uma das casas era bem sólido, pois a sua construção era recente, estando ainda a terminar-se as pinturas ali efetuadas. O penedo gigantesco atravessou a casa de lado a lado, furando as suas paredes como se fossem de cartão e causando assim prejuízos superiores a uma centena de contos.
Esses prejuízos elevaram-se rapidamente, pois outros três prédios foram igualmente atravessados pelo pedregulho. A marcha deste, no entanto, fora já consideravelmente reduzida e o penedo de granito, daí a pouco, em terreno mais plano, imobilizava-se. Para trás dela, em poucos segundos, ficara um espetáculo de horror.
Como acima referimos, ficaram feridas várias pessoas, mas muitas delas, por as suas contusões não serem de gravidade, receberam tratamento na Peneda e foram abrigadas por pessoas amigas. Pelo seu estado inspirar mais cuidados, foram internados no Hospital da Misericórdia desta vila (Melgaço) os seguintes sinistrados: Constança de Sousa, de 45 anos, com várias contusões pelo corpo; Claudina Rosa Martins, de 43 anos, casada, em estado grave, devido ao esmagamento das costelas; Maria de Jesus Martins, de 27 anos, solteira, com vários ferimentos. Estas feridas foram imediatamente assistidas pelo Sr. Dr. Esteves e pelo pessoal de enfermagem.


Na sua correria, a massa de granito causou também prejuízos no abrigo dos romeiros, que pertence ao Santuário e que só não foi destruído por ter sido atingido apenas numa esquina.”  

Recortes de jornal da época (clique nas imagens para ampliar):






Extraído de:
- Diário Popular, edição de 2 de Fevereiro de 1956, nº 4786.

domingo, 2 de novembro de 2014

O Buick dos Bombeiros Voluntários de Melgaço

O automóvel na década de 80 do século passado num desfile dos bombeiros
(Foto de Coxo Melgaço Fotos)

Fundada em 1927, a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Melgaço teve destacada atuação em 1930, quando ficou conhecida e laureada em Portugal e Espanha. Do outro lado do Rio Minho, em frente a Melgaço, na Espanha, o comboio expresso Madrid-Vigo descarrilou. O acidente foi presenciado pelos curiosos que gostavam de ver passar aquele bonito comboio. Foi dado o alarme e logo o sino da matriz tocou a rebate, convocando bombeiros e povo. De barco e a nado, atravessaram o rio, socorrendo os acidentados e resgatando seus pertences que boiavam rio abaixo. Foi um momento épico. Os jornais espanhóis e portugueses deram grande destaque ao acontecimento elogiando os bombeiros de Melgaço.
A organização nacional dos bombeiros, de Lisboa, mandou um instrutor, algum material e o povo custeou a compra de uma bomba para a recente fundada organização, carente de recursos técnicos, mas recheada de altruísmo.
A bomba era o que de melhor existia na época, de tração braçal, montada em uma espécie de carroça, para ser puxada por muares, mas que sempre foi impulsionada pelas pessoas, puxando ou empurrando.
Na mesma época, o Simão Luíz de Souza Araújo, filho da terra, que emigrara para o Brasil e aí fizera fortuna, já tinha construído o seu luxuoso palacete e tinha na garagem um automóvel Buick, seis cilindros, modelo 1924. Como a maior parte do ano esse carro ficava inativo, o Simão Araújo, empolgado com a bravura dos bombeiros da sua terra, deu-lhes esse automóvel.
Além de abnegados soldados da paz, revelaram-se, esses rapazes melgacenses, primorosos artífices.
Transformaram o luxuoso carro de passeio em sensacional carro de bombeiros. Retirada a carroçaria, adaptaram ao chassi seis poltronas com estrutura em ferro, um grande cilindro central, elevado, destinado a conter os artigos de primeiros socorros. Machados e picaretas embutidos no chassi e duas grandes roldanas com as mangueiras. Na frente, o banco do motorista era corrido onde cabiam mais três pessoas, nos estribos laterais, em pé, ia o resto da guarnição. No cimo do capô, uma sineta avisava a sua aproximação, o que seria desnecessário uma vez que para maior desenvolvimento retiraram o escapamento e os seis cilindros do poderoso motor que fazia um barulho ensurdecedor.
Haviam reforçado os feixes de molas para suportar o grande peso. Pintado todo em vermelho-sangue com os dizeres em branco nas laterais do cilindro: VIDA POR VIDA. Era uma jóia de artesanato sem utilidade. Deveria ter-lhe sido adaptada uma bomba a gasolina, o que nunca aconteceu.
O belo carro dos bombeiros era só utilizado em desfiles cívicos de quando em quando e já nos anos quarenta foi a Lisboa buscar o cadáver do Sr. Lascasas para sepultar em Melgaço.
Para não prejudicar o seu funcionamento era necessário interromper seu longo repouso, com algumas saídas. Era esse o argumento apresentado por um grupinho que, aos domingos, solicitavam autorização para um passeio. O Professor Abílio Domingues, que por imposição era o Presidente da Câmara, também era o comandante dos bombeiros, pessoa cordata que exercia cargos que não pedira e para os quais não tinha a mínima aptidão, acedia.
Por essa altura, num domingo, na estrada da Orada, na curva da fonte da Assadura, um automóvel colheu um rapaz, que, inconsequentemente, rodava em bicicleta, em grande velocidade, pelo meio da estrada. Accionaram os bombeiros para atender ao sinistro e transportar o acidentado para o hospital. Os bombeiros estavam merendando em São Gregório, onde tinham ido desenferrujar o bonito carro vermelho. O rapaz faleceu.

O carro dos bombeiros, num dos seus passeios dominicais, não estava no seu posto, quando foi preciso. Aquilo revoltou o povo e a partir dali não mais aconteceram aquelas viagens recreativas. 


Extraído de:
Texto de Manuel Felix Igrejas in: A Voz de Melgaço, nº 1373; Edição de 1 de Outubro de 2014. 

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

A guerra civil em Melgaço (1827)


Em 1827, durante a Guerra Civil, os soldados absolutistas são escorraçados para norte pelos liberais até Melgaço e daqui para terras galegas. O Marquês de Angeja que chefia as tropas nesta região escreve: “Depois que dirigi a vossa. Ex.ª, ontem, o meu oficio datado de Valadares, marchei com as tropas do meu comando para Melgaço, para me assegurar se os rebeldes, haviam, ou não, entrado em Espanha, e qual era o comportamento que com eles haviam tido as autoridades espanholas da fronteira, tendo eu dirigido ontem mesmo um oficio ao governador de Tuy para fazer desarmar os rebeldes que haviam entrado no seu distrito. Ainda não recebi resposta alguma dele, mas sei que o Marquês de Chaves entrou na Galiza por Fiães acompanhado de alguma infantaria e da maior parte da sua cavalaria, tudo em tal desordem e ruína, que não poderá entrar facilmente em novas operações, não obstante afirmarem os soldados, que se dirigem a Montalegre e Chaves à província de Trás-os-Montes. Mandei fazer esta tarde um reconhecimento forte até S. Gregório, última povoação portuguesa, situada na confluência do Minho e de um pequeno regato aonde principia a raia seca. As guerrilhas fizeram grande resistência sendo contudo repelidas com grande fogo de caçadores e cargas de cavalaria, para o território espanhol, aonde se achavam postadas duas ou três companhias de milicianos da Galiza, que visivelmente os protegeram, permitindo-lhes fazer fogo por muito tempo. Conto dirigir-me amanhã às autoridades espanholas, reclamando que estas guerrilhas e soldados sejam imediatamente desarmados, pedindo igualmente uma satisfação pelo comportamento hostil que tiveram hoje para connosco.”

Extraído de:
- Documentos para a História das Cortes Geraes da Nação Portugueza. Tomo III, Anno de 1827. Imprensa Nacional, Lisboa, 1855.

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

A Capela de S. Roque (Paderne): referências históricas e notas arquitetónicas

Capela de S. Roque (Paderne)

A Capela de S. Roque, em Golães (Paderne – Melgaço) foi construída no século XVII, mas foi reformada no século XVIII, conforme inscrição na verga do portal e reconstruída em meados do século XX. Apresenta linhas muito simples. As fachadas possuem o aparelho muito irregular, sobretudo a lateral direita, apontando para as reformas ou reconstruções que sofreu.
Existem poucas referências históricas a esta capela. A referência documental mais antiga data de 1656 e fala de uma obrigação à ermida de São Roque no lugar de Golães, a favor de Estêvão Pereira Bacelar e de sua mulher Teodora do Vale, moradores no dito lugar e Quinta de Golães, os quais se obrigam à dita capela. O ano de 1733 é a data inscrita na verga do portal assinalando a sua construção.
Em 1758, nas Memórias Paroquiais da freguesia, faz-se referência à capela de São Roque, no lugar de Golães, como tendo um só altar, onde estava a imagem do mesmo Santo, a qual administrava o senhor da Quinta. Posteriormente, procedeu-se à construção da sacristia. Em 1945, é efetuada a sua reconstrução e a respetiva data encontra-se inscrita na verga.
Esta capela apresenta uma planta longitudinal de massa simples com sacristia adossada à fachada lateral esquerda. Possui volumes escalonados e coberturas diferenciadas em telhados de duas águas na capela e de uma na sacristia, na continuidade da primeira, rematadas em beirada simples.
Fachadas em cantaria ou alvenaria de granito aparente, a principal virada a sudoeste e termina em empena, com friso e cornija, truncada por sineira em arco de volta perfeita sobre pilares, albergando sino e rematada em empena, coroada por cruz latina de braços quadrangulares. É rasgada por portal de verga inscrita sobre os pés direitos, ladeado por duas frestas. Fachada lateral esquerda cega e a sacristia, terminada em meia empena, rasgada por porta de verga recta a sudoeste.

A fachada oposta, com aparelho irregular no terço superior, é rasgada por fresta na zona do retábulo-mor. Fachada posterior cega, com a capela-mor coroada por cruz latina de braços quadrangulares sobreposta por uma outra luminosa, de maiores dimensões.

Extraído de:
CAPELA, José Viriato, As freguesias do distrito de Viana do Castelo nas Memórias Paroquiais de 1758, Braga, Casa Museu de Monção / Universidade do Minho, 2005.
- www.monumentos.pt.

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Castro Laboreiro, 1949 - Palavras de Miguel Torga escritas em terras castrejas

Vista parcial sobre as ruínas do castelo em Castro Laboreiro 
(meados do século XX)

Castro Laboreiro, 22 de Setembro de 1949 — “Deve-se encher os olhos da mesma paisagem tantas vezes quantas forem necessárias para que ela seja dentro de nós um cenário quotidiano. Só assim cada acidente dela, animal, vegetal ou mineral, terá nos sentidos aquela morada íntima, inefável, onde de vez em quando a nossa própria alma é conviva. Imagens que nos lembrem sem querer, como trechos de Bach ou de Beethoven, e que encham a nossa solidão pela vida fora.”

Extraído de:
- TORGA, Miguel (1949) - Diário V in: Diários, Vol. V a VIII, Edições D. Quixote, 5ª edição.

domingo, 12 de outubro de 2014

Castro Laboreiro, 1940 - A presença de refugiados galegos e as dificuldades das autoridades portuguesas no terreno.



Durante a Guerra Civil Espanhola, centenas de galegos terão cruzado a fronteira e esconderam-se nas aldeias de Castro Laboreiro. Apesar do empenho das autoridades portuguesas em detetar os refugiados, as características do terreno e a proteção que muitos castrejos deram aos refugiados galegos dificultaram muito essa ação repressiva.
Em 1940, um comandante da GNR destacado para a região de Castro Laboreiro para acabar com a presença de refugiados galegos em terras castrejas, queixa-se das imensas dificuldade das autoridades nesta região. Num documento que escreve aos seus superiores, refere o seguinte:

Uma batida completa à serra, dada a imensidade desta, exigiria milhares de homens e, em virtude da carência de estradas e caminhos capazes e da falta de recursos, julgo-a impraticável. Enquanto aquela região, pela ausência quase completa de vias de comunicação, estiver, como está, isolada do resto do País, será sempre um possível refúgio, já que dá imensas facilidades a natureza montanhosa do terreno, formado por enormes montanhas, sulcado de ravinas (barrancos) que são verdadeiros precipícios, frequentemente coberto de gigantescos penedos de caprichosos recortes, e, em muitos sítios, coberto de carvalheiras, giestais de três e quatro metros de altura, urzes, e outra vegetação selvagem. A população vive a vida mais miserável que é possível imaginar-se. As habitações são choças imundas onde as pessoas vivem na mais repugnante promiscuidade com os animais. As culturas, de centeio e a batata, únicas que ali se fazem, não chegam para o consumo dos habitantes, e desenvolvem-se lentamente e com dificuldade. Até há pouco tempo, os homens emigravam em grande quantidade para Espanha e França, e, com o produto do seu trabalho nesses países, sustentavam as suas famílias. Mas, desde que começou a guerra em Espanha, essa emigração acabou, o que veio agravar extraordinariamente a situação daquela gente. Pelo atraso em que a população se encontra, pode afirmar-se que fazer uma viagem a Castro Laboreiro corresponde a recuar alguns séculos no tempo. Afirma o abade da freguesia que quase todos os seus habitantes são comunistas, porque não frequentam a igreja. O que eles são, com certeza, é miseráveis e analfabetos. Mas a irreligiosidade daquela gente já era um facto quando ainda não se falava em comunistas. O auxílio que os habitantes tenham prestado aos refugiados galegos explica-se talvez melhor pelo facto de, dado o isolamento em que a freguesia está do resto do país e até do concelho, as suas relações normais serem feitas desde longa data com os espanhóis.”


Extraído de: 
- GALLARDO, Àngel Rodríguez (2003) - "Entre brandas e inverneiras: refuxiados e guerra civil na fronteira entre Ourense e Portugal" in: A Represion Franquista en Galícia. Actas dos traballos presentados ao Congreso da Memoria; Narón, Dezembro de 2003.